
Todo ano entusiastas da criatividade e tecnologia se reúnem em Austin, no Texas, para o South by Southwest. São mais de 48.000 participantes presenciais, mais de 200.000 à distância e um público total impactado de mais de 500.000 pessoas. Quase 27% deste total é composto por pessoas de mais de 100 diferentes países onde o Brasil sempre tem uma das maiores delegações. Estive no SXSW pela oitava vez e foi sem dúvidas uma das melhores edições dos últimos tempos. Na coluna desta semana trago os meus principais destaques.
1) Computação quântica
Pela primeira vez o tema ganhou dois dias de programação exclusiva dentro do SXSW. Muita gente da indústria de tecnologia aposta que a computação quântica não será apenas a próxima grande onda depois da IA, mas que será a com impactos mais profundos em nossas vidas práticas. Já assisti sessões sobre o tema poucos anos atrás e tudo parecia não apenas ficção científica como os prazos mencionados para as primeiras aplicações sempre apontavam para “nas próximas décadas”. É isso que está mudando. Recentemente, tivemos a divulgação de um novo chip quântico da Microsoft que levou 17 anos para ser criado. O Google conseguiu resolver em cinco minutos um problema que computadores tradicionais levariam 10 septilhões de anos (10 elevado à vigésima quarta potência). Além disso, a IBM afirmou no SXSW que em uma simulação foi capaz de resolver em dias horas um problema que levaria mais de três milhões de anos de processamento. Lembrando que tudo isso foi alcançado com processadores quânticos muito primitivos frente ao desenvolvimento em curso. É como assistir aos primeiros dias da computação ainda na década de 1950 ou 1960. Sabemos como o mundo se tornou irreconhecível de lá para cá. O ponto alto foi uma apresentação da IBM enfatizando que a computação tradicional tem severos limites para processar dados ligados a fenômenos naturais e biológicos. No caso da computação quântica a relação é exatamente ao contrário, ela parece funcionar muito bem com esse tipo de desafio. O prognóstico? Uma disrupção nos próximos anos na pesquisa de materiais, moléculas e, principalmente, no campo da saúde. A computação quântica também representa um desafio aos sistemas de blockchain e criptografia, já que seu imenso poderio de processamento poderia facilmente “quebrar” tais sistemas que hoje são a base da segurança cibernética.
2) A busca pelas conexões interrompidas
Muitas palestras tiveram como tema os impactos da tecnologia em nossas vidas. Depois de um tom muito otimista por diversos anos, foi visível o número de conteúdos voltados para os efeitos danosos percebidos. Logo no primeiro dia, a autora Kasley Killiam enalteceu o tema da “saúde coletiva”. Segundo ela, por décadas entendemos saúde como cuidados com o corpo. Nos últimos tempos, muito se tratou da saúde mental, mas fica faltando a dimensão coletiva. Somos coletivos e gregários. Soa óbvio, especialmente, quando completamos cinco anos da chegada da pandemia. Contudo, a tecnologia mudou nossos hábitos e antes que sejamos capazes de perceber, já colocamos nossos fones de ouvido para acompanhar mais um vídeo no TikTok mesmo em meio à uma multidão que poderia ser uma bela fonte de serendipidade, os encontros inesperados que transformam nossas vidas. Muitos autores que focam em temas de relacionamento como Esther Perel ou longevidade como Peter Attia também participaram de paineis neste ano. É visível a mudança que a geração Z está liderando com cuidados mais precoces com a saúde e menor consumo de álcool, sem falar na mudança dos horários, se antes os encontros aconteciam nas madrugadas, agora valoriza-se o bom sono e a atividade física no dia seguinte.
3) IA, mas nem tanto
É claro que o tema da IA foi central, mas diferente das últimas duas últimas edições ficou claro que estamos vivendo um tempo de transição. O que era novidade desde 2022 não é mais, como geradores de texto, imagem ou vídeo. É claro, eles melhoram a cada semana com a evolução dos modelos, muito se fala sobre a chegada dos agentes, IAs capazes de assumir tarefas integralmente de ponta a ponta e sem intervenção humana. Na prática, ainda não estamos prontos para isso. Passamos por uma fase de amadurecimento e da expectativa para os reais casos de aplicação da IA que serão capazes não apenas de aumentar nossa produtividade, mas também reconfigurar de forma definitiva um conjunto de tarefas que estávamos acostumados a fazer. Volto a enfatizar que vivemos uma espécie de final dos anos 1990 com a chegada da internet. Muita coisa nova e curiosa. Mas as reais transformações só passaram a acontecer alguns anos depois.
4) Austin como referência
Para além da conferência e das palestras vale falar sobre Austin. Cidade com enorme qualidade de vida, parques, um dos maiores percentuais do mundo de lugares com música ao vivo todos os dias e um centro vibrante. A cidade continua atraindo empresas de tecnologia, artistas e empreendedores. Quase dobrou de tamanho nos últimos sete anos, tudo isso com ritmo intenso de construções e liderança nos EUA quando o assunto é disponibilidade de novas moradias e estabilidade dos preços dos alugueis. Não é por acaso. Os temas de mobilidade, incentivo ao empreendedorismo e arcabouços regulatórios têm sempre destaque no SXSW. Além disso, a cidade sempre estabelece importantes parcerias com outras localidades mundo afora como Manchester, que também busca se tornar esse tipo de centro de inovação. Ponto positivo para a aproximação que a cidade de São Paulo estreita a cada ano com o SXSW e com Austin e que contou com o anúncio da realização, em 2026, da primeira edição do SP2B. O evento será realizado entre os dias 9 e 16 de agosto de 2026, no Parque Ibirapuera.