Batalha do FBI com Apple tem semelhanças com disputa do Facebook no Brasil

Para a Apple, desbloqueio do iPhone criaria riscos para todos os usuários da marca; o Facebook alega que os dados não existem, já que o WhatsApp não armazena conversas

Foto: Valdir Ribeiro Jr
O FBI pressiona a Apple a desbloquear o iPhone de um jihadista envolvido em um atentado

O caso que levou à prisão nesta manhã do vice-presidente do Facebook para a América Latina, Diego Dzodan, tem semelhanças com uma disputa ferrenha que tem sido travada nos Estados Unidos entre a Apple e a polícia federal americana, o FBI.

Os conflitos expõem a crescente pressão sofrida por empresas de tecnologia para colaborar com autoridades, alimentando um debate sobre as fronteiras entre o cumprimento da lei e a privacidade dos usuários.

Dzodan foi preso em São Paulo pela Polícia Federal por ordem do juiz Marcel Maia Montalvão, de Sergipe. A prisão ocorreu após o Facebook se recusar a entregar às autoridades dados de conversas no aplicativo WhatsApp – comprado pela empresa em 2014 – que, segundo autoridades, poderiam levar a traficantes de drogas.

O Facebook diz que os dados não existem, já que o WhatsApp não armazena conversas. A companhia qualificou a prisão de "extrema e desproporcional" e disse que sempre esteve disponível para tratar de qualquer questão com autoridades brasileiras.

Nos Estados Unidos, o FBI pressiona a Apple a desbloquear o iPhone de um dos responsáveis pelo ataque que matou 14 pessoas em San Bernardino (Califórnia), em dezembro. O órgão diz que informações no celular poderiam ajudar a elucidar o caso.

A empresa afirma, porém, que é impossível desbloquear o aparelho sem a senha registrada pelo usuário, e que desenvolver uma tecnologia para coletar os dados criaria riscos para todos os clientes da marca.

Para Jennifer Granick, diretora de Liberdades Civis do Centro de Internet e Sociedade da Universidade Stanford, na Califórnia, um dos principais argumentos da Apple na disputa com o FBI é evitar um precedente que poria em risco habitantes de países cujos governos desrespeitem direitos humanos.

"Ao se recusar a mudar seu sistema, a Apple diz querer garantir que informações privadas não sejam usadas por governos que perseguem homossexuais ou minorias religiosas, por exemplo", ela afirma à BBC Brasil.

Para Granick, a prisão do executivo do Facebook no Brasil poderá reforçar a posição da empresa: "Se a Apple fragilizar sua segurança, outros países poderão forçá-la a ceder informações – e nem sempre por motivos legítimos".

Granick cita uma diferença entre a disputa americana e a brasileira. Ela afirma que nos Estados Unidos há um sentimento geral de que executivos de empresas envolvidas em conflitos sobre privacidade não são criminosos e não deveriam ser presos.

Apesar disso, diz que o governo americano tem usado uma retórica bastante agressiva com as empresas de tecnologia e não descarta que no futuro autoridades tentem prender executivos, alegando riscos à segurança nacional caso não cooperem com determinados casos.

Para Ahmed Ghappour, que leciona curso sobre liberdade, segurança e tecnologia na Universidade da Califórnia em Hastings, diplomatas americanos deverão buscar colegas brasileiros para abordar a prisão do executivo do Facebook.

Ele afirma que disputas entre empresas americanas e governos estrangeiros frequentemente entram na esfera da diplomacia.

Ghappour afirma que, quando cobrado por governos estrangeiros a divulgar informações, o Facebook costuma argumentar que os pedidos devem ser feitos por canais diplomáticos e seguir regras definidas em acordos bilaterais de compartilhamento de informações.

O problema é que, seguindo esses passos, as informações raramente chegam com a velocidade com que as autoridades locais gostariam.

E alguns países podem encarar disputas com companhias estrangeiras como uma questão de soberania nacional, o que legitimaria medidas extremas como prisões.

Para Ghappour, embora a prisão do executivo do Facebook se insira num debate global sobre "soberania e o que governos podem forçar empresas a fazer", a companhia deverá tratar a prisão como um caso localizado e basear sua defesa em especificidades da legislação brasileira.