Bloqueio do WhatsApp não protege liberdades individuais, alertam especialistas

A decisão da comarca de Lagarto (SE) para bloqueio do aplicativo não foi bem recebida pela comunidade jurídica

WhatsApp defende o uso da criptografia para proteger a confidencialidade dos dados transferidos
Foto: Reprodução
WhatsApp defende o uso da criptografia para proteger a confidencialidade dos dados transferidos

A comunidade jurídica reagiu com indignação e perplexidade à ordem judicial de bloqueio do WhatsApp por 72 horas, a partir desta segunda-feira (2). Advogados e juristas alertam que a medida viola as liberdades individuais. Para eles, "a ordem é arbitrária". A decisão, da comarca de Lagarto, em Sergipe, determinou que as cinco principais operadoras de telefonia em atividade no Brasil – TIM, Vivo, Claro, Nextel e Oi – interrompam completamente o serviço de mensagens, como ocorreu em dezembro de 2015.

A ordem de interrupção do serviço foi tomada pelo juiz Marcel Maia Montalvão, o mesmo que, em março, mandou prender o vice-presidente do Facebook para a América Latina, Diego Dzodan. A decisão deve começar a valer a partir das 14h desta segunda-feira e o aplicativo deverá voltar a funcionar apenas na quinta-feira, 5, às 14h. Caso as operadoras não cumpram a decisão judicial, elas deverão pagar uma multa diária de R$ 500 mil. A notícia não foi bem recebida pela comunidade jurídica.

Fábio Martins Di Jorge, do Peixoto & Cury Advogados, diz que a sentença viola as liberdades individuais. "No momento em que vemos com satisfação o Judiciário se apresentando pelas redes sociais, no momento da implementação integral do processo judicial eletrônico, no momento em que juízes fazem acordo e intimações das partes pelo sistema do WhatsApp, enfim, quando sedimentado o princípio da publicidade entre nós, deparamos, infelizmente, com mais uma decisão que viola liberdades individuais e lutas sociais duramente conquistadas. São 100 milhões de usuários prejudicados e negócios e comunicação de todo o País poderão ser paralisados". 

Foto: Emily Canto Nunes/iG
Criptografia no iPhone também é motivo para polêmicas nos Estados Unidos

"Nenhum juiz tem o poder de impedir a comunicação de milhares de pessoas que não estão sob sua jurisdição, já que não somos réus no processo que preside. O máximo que poderia era arbitrar multa financeira que pode ser revisada pelas instâncias judiciais", afirma o criminalista Fernando Augusto Fernandes, sócio do Fernando Fernandes Advogados. "É mais um ato em que o judiciário brasileiro expõe a insegurança jurídica nacional, que é hostil ao empresariado, ao mercado e aos direitos individuais. O FBI moveu todos os esforços para a Apple quebrar a criptografia do iPhone e não se viu o CEO da empresa ser preso por causa disso".

Você viu?

Para o criminalista Daniel Bialski, sócio do escritório Bialski Advogados Associados, "é incompreensível que um juiz, a quem caberia agir com parcimônia e plena isenção, não consiga tomar medidas menos radicais para fazer cumprir suas determinações".

"Inclusive, não se pode aceitar e conceber que tome decisão pela eventual desobediência de alguns, tornando possível o prejuízo de milhões de usuários", assinala Bialski. Ele complementa. "Atualmente, esses sistemas servem inclusive para comunicações quase que oficiais, já que a Justiça usa o WhatsApp para comunicar atos e audiências, e formalizar acordos."

O criminalista destaca que em São Paulo, a 7ª Vara Criminal Federal baixou a portaria 12/15 - do juiz federal Ali Mazloum - que possibilita e regulamenta a comunicação de atos processuais pelas vias digitais modernas. "Desta maneira, efetivamente, há flagrante ofensa ao direito líquido e certo de todos, e espero que as Cortes possam reverter essa arbitrariedade e se possa ser apurado, pelo órgão correcional próprio, a motivação, a correção e a coerência de nova decisão arbitrária, proferida pelo mesmo juiz que antes viu reformada similar decisão", declara Bialski.

"Obrigar o WhatsApp a manter o conteúdo de mensagens e gravações seria o mesmo que obrigar as empresas telefônicas a manter conversas gravadas o tempo todo. É inviável operacionalmente e, ao mesmo tempo, pode violar o direito de privacidade", afirma Alexandre Zavaglia Coelho, diretor executivo do IDP São Paulo e especialista em tecnologia e inovação. Por outro lado, o Marco Civil da Internet obriga a guardar o relatório das entradas e momentos das conversas. Talvez a solução seja o meio termo", complementa.

Para Fernando Castelo Branco, coordenador da pós-graduação em Direito Penal Econômico do Instituto de Direito Público de São Paulo, "ordem judicial se cumpre, sob pena de se incorrer no crime de desobediência. Entretanto, não se pode deixar de avaliar que, na busca da tutela e proteção de determinado bem, a decisão judicial possa impactar e prejudicar bem coletivo muito maior. Entendo que a decisão deverá ser revista, com grandes chances de ser reformada".

"Entendo que a decisão é equivocada, pois prejudica principalmente a população do País inteiro que utiliza o aplicativo. Parece-me que a aplicação da multa seria mais adequada, pois atinge apenas o alvo", sugere o criminalista Filipe Fialdini, sócio do Fialdini Advogados.