Redes sociais estão indo pelo caminho errado, diz fundador do Orkut

Em entrevista ao iG, o turco Orkut Büyükkökten analisa o cenário atual no universo das mídias sociais

Foto: Captura de tela
Orkut Büyükkökten, em entrevista ao portal iG



Para o engenheiro de software Orkut Büyükkökten , fundador da rede social de mesmo nome que fez sucesso no Brasil, as plataformas de tecnologia têm caminhado em um sentido errado. “O foco total das redes sociais mudou do usuário para o que é melhor para a companhia, como ela pode fazer o máximo de dinheiro”, diz ele.

Aos 46 anos, o turco Orkut hoje é CEO do Hello Network , rede social que fundou com o objetivo de trazer a experiência das comunidades do Orkut de volta ao público. Hoje, o Hello tem cerca de dois milhões de usuários em todo o mundo.

Apaixonado pelo Brasil, por abraços e por sorrisos, como ele mesmo afirma, Orkut tem uma visão idealizadora das redes sociais. Para ele, a tecnologia deve ser utilizada para promover união e felicidade - e se isso não acontece atualmente, a culpa é das empresas que criam as plataformas usadas pelas pessoas. 

Confira a entrevista completa com Orkut Büyükkökten

Quando o Orkut estava em seu auge, que foi enorme aqui no Brasil, a sociedade no geral e até as leis não tinham muito essa preocupação com privacidade de dados como temos atualmente. Hoje, na gestão da Hello, eu imagino que você lide com isso de uma forma muito diferente. O que mudou de lá para cá nesse sentido?

Com o Orkut e também agora com o Hello, nossa prioridade é o usuário, e nós projetamos todas as experiências conectando pessoas e criando ambientes felizes. E quando arquitetamos e projetamos o Hello, nós tínhamos o usuário em primeiro lugar. Como resultado, criamos um ambiente feliz que não era vulnerável a violações de questões de privacidade ou segurança.

Se você olhar para as mídias sociais hoje, a prioridade delas é basicamente a autopromoção, porque elas são projetadas para que a base de usuários possa se autopromover. Isso porque quando eles se autopromovem, eles conseguem mais visualizações e interação, e gastam mais tempo no serviço. E quando eles gastam mais tempo, isso ajuda marqueteiros, anunciantes, terceiros e acionistas.

Então, o foco total das redes sociais mudou do usuário para o que é melhor para a companhia, como ela pode fazer o máximo de dinheiro. Como resultado, a maior preocupação é a receita. E para maximizar a receita, eles maximizam tempo de uso e cliques em publicidade, e não o usuário.

Então, houve uma grande mudança no cenário de redes sociais, e é por isso que vemos todos esses problemas sobre privacidade e segurança, porque se a companhia sabe que pode compartilhar os dados do usuário para lucrar com isso, ela não vai hesitar de forma nenhuma. E a atenção aos dados ficam nas políticas de privacidade e termos de serviços, mas ninguém realmente lê esses documentos. Então, sempre que uma empresa deseja compartilhar os dados de um usuário, ela precisa ser explícita sobre o que está fazendo com eles, mas esse não é o caso.

Hoje se fala muito no poder das redes sociais. Recentemente, a gente viu Donald Trump ser expulso de várias delas , e também o impacto do Facebook na política de Mianmar. Como você acha que as redes sociais devem lidar com a questão da moderação de conteúdo? 

Essa é uma pergunta muito válida. Eu acho que as empresas tentam pegar oatalho e automatizar a moderação de conteúdo, porque custa muito mais dinheiro contratar humanos de verdade para olhar o conteúdo. E elas também pegam o atalho porque eles não têm o interesse do usuário em alta. O que elas se importam é em como podem manter as equipes de moderação de conteúdo menores, para que não gastem muito dinheiro.

Inteligência artificial e machine learning podem fazer um ótimo trabalho para conter bullying, spam e contas falsas. Mas no final das contas, você precisa de algum tipo de suporte dentro da empresa que ajude na moderação. E você também precisa criar uma comunidade que se importe com o serviço e também faça uma auto moderação.

Tanto no Orkut quanto no Hello, nós temos um time de suporte mas, no final, é a própria comunidade, os usuários, que marcam e reportam conteúdos suspeitos. Como resultado, não tivemos problemas como spam, fake news ou desinformação.

Outros políticos de outros países, como é o caso do Brasil, também já violaram e seguem violando as políticas de redes sociais. Você acha que o que aconteceu com Trump pode acontecer em outros lugares do mundo ?

Definitivamente. Eu acho que o Twitter fez um trabalho maravilhoso ao dizer “você não pode dar informações falsas”. Por exemplo, se o presidente vai e diz “você não precisa tomar a vacina contra a Covid-19”, isso seria uma bagunça. Todo mundo vai acreditar nele quando ler isso no Twitter. E isso de fato coloca a vida das pessoas em risco.

E nós vimos eleições, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, sair da influência que as redes sociais têm. E esse poder é meio assustador porque ele não é moderado e pessoas que tem agenda política e que conseguem gastar centenas de milhões de dólares em campanha política conseguem espalhar falsa informação. Porque a disseminação não é resultado do quão confiável você é, mas sim de quanto dinheiro você tem. 

O Orkut foi um sucesso enorme aqui no Brasil, mas a gente não ouve falar muito do Hello. Conte para os seus fãs brasileiros o que sua rede social atual tem de diferente das demais.

Se você pensa no Orkut, o maior e mais popular recurso foram as comunidades. E [no Hello] nós projetamos todo o produto em torno das comunidades, e tornamos isso ainda melhor com o que chamamos de Personas.

Quando você entra no Hello, você escolhe cinco interesses ou paixões pelas quais você é mais interessado, e nós conseguimos mostrar outros usuários e conteúdos. Se você olhar para as mídias sociais hoje, elas são principalmente sobre transmissão. No Pinterest, você transmite seus favoritos, no Twitter, você transmite tuítes, no Instagram, você transmite fotos. Ou, então, é sobre mensagens um a um, se você pensar no WhatsApp, por exemplo.

E nós temos novos e interessantes produtos que surgem todos os dias. Nós temos o Clubhouse, que é quase como apresentar seu próprio programa de rádio ou podcast. Mas nenhum desses serviços realmente permite que você conheça novas pessoas e compartilhe pelo que você é apaixonado.

E nós projetamos o Hello como um lugar seguro onde você pode ser quem você realmente é, sem ser julgado, se conectando com outras pessoas, e conhecendo novas pessoas. E não existe nenhuma outra rede social que esteja fazendo isso agora.

Se você olhar para o tempo do Orkut, ele criou tantos momentos mágicos, criou amizades. Pessoas encontraram seus melhores amigos no Orkut, pessoas até se apaixonaram, casaram e tiveram filhos a partir do Orkut. Pessoas conseguiram novas oportunidades de carreira no Orkut.

E se você olhar para as mídias sociais hoje, a gente não vê esses momentos mágicos acontecendo. Por exemplo, a Universidade de Houston fez um estudo recente que olhou para o que acontece quando as pessoas usam muito as redes sociais como o Facebook, por exemplo. E eles descobriram que as pessoas que usam muito essas plataformas demonstraram sintomas depressivos devido à comparação que elas fazem com outros usuários.

E as mídias sociais não deveriam ser sobre nos compararmos com outras pessoas e nos promovermos. É sobre compartilhar o que você ama, sermos nós mesmos, e deveria ser sobre união e felicidade. 

Com o Hello, nós estamos lançando [a rede social] muito cuidadosamente, nós chegamos ao Brasil e estamos perto de dois milhões de usuários [em todo o mundo]. E nós continuamos refinando a experiência para que tenhamos o tipo certo de comunidade, que é só amor, que é sobre união e felicidade. Porque esse é o tipo de produto que o mundo precisa mais do que nunca.

Se você olhar para a solidão, ela é uma epidemia, e é maior do que o cigarro ou a obesidade. E, hoje, as redes sociais são um hardware de solidão, e as pessoas ficam ansiosas e depressivas, e se sentem infelizes. E o caminho para resolver isso também é através de tecnologia. Mas deveríamos usar o poder da tecnologia para reunir as pessoas, mas não para basicamente programá-las para usar a mídia social da maneira que as empresas querem que elas usem.

Você comentou do papel das redes sociais, mas o que as pessoas podem fazer para usar essas plataformas da maneira mais saudável possível?

Eu acho que muito disso está nos ombros das empresas que criam esses serviços, porque existe uma quantidade insana de tecnologia que entra nesses produtos. Se você olhar para o Facebook, por exemplo, eles têm muita inteligência artificial, machine learning, poder de processamento que vão nos algoritmos que geram nossos feeds.

Mas qual é a função que gera o feed? É unir as pessoas, é a felicidade do usuário? Ou é forçar as pessoas a gastarem mais tempo clicando em publicidade? 

[A experiência nas redes sociais] é basicamente como viver em uma casa. Você está criando uma casa quando você está construindo uma rede social. A forma como você constrói a casa afeta na forma como as pessoas vivem nela, e você precisa criar espaços de diversão, conexão e humanidade.

É muito importante que pessoas que usam redes sociais estejam cientes. A consciência é o primeiro passo. Por exemplo, se você está olhando o Instagram, você vê todos os seus amigos tendo casamentos perfeitos, viajando pelo mundo o tempo todo, eles têm selfies com famosos, eles acordam de manhã parecendo fabulosos. Mas você precisa estar ciente de que todos esses momentos são orquestrados e filmados.

Então, o que está acontecendo é o seguinte: uma adolescente levanta da cama, toma banho, faz o cabelo, passa maquiagem, faz um copo de café, e então volta para a cama, faz uma selfie e diz: “ah, eu acordei assim”. Todos os seus amigos veem sua foto no Instagram e pensam: “ah, eu pareço um lixo quando acordo”. Eles pensam que eles nunca serão bons o suficiente, inteligentes o suficiente, bonitos o suficiente ou amados o suficiente. E esse é um problema enorme.

E nós precisamos estar cientes e nos certificarmos de que usamos as redes sociais pelos propósitos certos: para nos fazer felizes, não para nos deixar ansiosos. Dizem que a comparação é um ladrão de alegria, e estamos cercados de ladrões atualmente em mídias sociais que estão roubando nossa alegria, porque eles estão nos comparando uns aos outros.

A respeito desses mesmos algoritmos que você comentou, você acredita que em certo momento eles impulsionaram, ou continuam impulsionando, a disseminação de fake news e discurso de ódio?

Definitivamente. O objetivo é engajamento, então eles querem que os usuários passem mais tempo no serviço clicando nas coisas, em benefício da empresa. E se você pensar no que as pessoas reagem, são notícias sensacionalistas, coisas que saltam aos olhos, e isso não necessariamente significa boas notícias ou fatos verdadeiros.

Se você olhar para o rádio, TV ou jornal impresso, muitas vezes eles estão cercados de artigos muito negativos, porque é isso que chama a atenção das pessoas. Com relação às fake news, os algoritmos realmente impulsionam a disseminação porque eles sabem que isso vai gerar engajamento, mesmo sendo muito cruel e prejudicial para a base de usuários.

Frequentemente surgem novas redes sociais que ganham fama. Agora, parece ser o momento do ClubHouse , como você mesmo comentou, mas já aconteceu com várias outras. Algumas realmente se tornaram um sucesso, como é o caso do TikTok, mas outras não. Qual é o segredo do sucesso de uma rede social?

Boa pergunta. Obviamente não tem uma receita secreta, e pessoas têm buscado pela receita secreta há séculos. Porque se você soubesse a exata fórmula que faz uma rede social muito bem-sucedida, todos estariam fazendo isso.

Eu acho que grande parte disso é como você cria o produto, porque os usuários reagem ao design e aos recursos. Outra questão é a comunidade. É muito interessante ver  como as redes sociais se expandem e como elas começaram. E de vez em quando também pode ser apenas sorte. Se você está na hora certa, no lugar certo, você consegue criar um produto viral.

E com as gigantes de tecnologia por aí, ainda tem espaço para o surgimento de novas redes sociais?

Definitivamente. E eu acho que mais do que nunca, porque existe esse enorme fetiche de redes sociais. Todos nós precisamos nos conectar, temos que estar perto uns dos outros e precisamos conhecer novas pessoas, está em nosso DNA humano.

Mas, por causa do fetiche da rede social, precisamos mais do que nunca de espaços autênticos e genuínos que conectem as pessoas, e precisamos desses espaços mais do que nunca, porque precisamos criar serviços para nossa geração, e para a próxima geração, que reúna as pessoas e as torne feliz. Temos que fazer um trabalho melhor ao educar as pessoas, e muito da educação vem do online.

Precisamos ensinar as pessoas que a felicidade não vem das coisas, não vem de ter os amigos mais fabulosos, a maior casa ou o carro mais legal. Felicidade vem de ter relacionamentos autênticos e genuínos com as pessoas ao seu redor. Felicidade vem do amor, amizade e família, mas as pessoas estão perseguindo a felicidade pelo número de curtidas que recebem ou pelo número de comentários, mas não é daí que ela vem. E precisamos, mais do que nunca, construir os tipos certos de produtos que fazem um melhor trabalho em reunir as pessoas em um ambiente positivo.