Skull
Felipe Demartini
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Um trabalho produzido ao longo de toda uma década pode representar um feito impressionante. Mas, na indústria dos games, é o contrário. Mudanças de rumo, a demora na divulgação de informações e, principalmente, adiamentos, são vistos como péssimos sinais e costumam resultar em um produto muito abaixo do aceitável. Skull & Bones é a mais recente prova viva deste efeito.

Lançado em 16 de fevereiro, após 11 anos de desenvolvimento e pelo menos seis adiamentos anunciados, o título da Ubisoft Singapura surgiu de uma ideia interessante. Quem jogou Assassin’s Creed IV: Black Flag pode se lembrar das batalhas navais, introduzidas como grande novidade em um título que fazia a ponte entre duas gerações de plataformas. Diante desse sucesso, veio a ideia de criar um título em cima disso.

Os efeitos do tempo são percebidos o tempo todo. Skull & Bones parte de uma boa premissa e até entrega algumas propostas interessantes para um game de 2014 ou, até mesmo, um spin-off marítimo da franquia dos assassinos. Uma década depois, porém, o resultado é tosco, com o perdão da palavra, e torna ainda mais bizarra a ideia de que um título desse tipo levou tanto tempo para chegar às prateleiras.

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Um jogo que não é o que parece

Não dá para saber exatamente o que Skull & Bones quer ser, no que talvez seja o reflexo mais marcante de seu longo e tortuoso ciclo de desenvolvimento. A base, claro, nos leva diretamente a um título de pirataria e navegação, nos fazendo lembrar do ótimo Sea of Thieves ; a prática, porém, é um bocado diferente.

Isso porque, desde o início, percebemos que boa parte da ideia do título é baseada na busca por suprimentos. Claro, estamos falando de um jogo supostamente de serviço e com foco no online, mas durante as primeiras horas de jogo, tudo o que fazemos é buscar materiais, retornar à base para aprimorar nossa embarcação para conseguirmos fazer isso de novo.

É um ciclo dos mais desinteressantes, principalmente quando colocado no início de um game que, como forma de combater uma percepção de rejeição, recebeu versão de testes gratuita. A ideia da Ubisoft era que os jogadores experimentassem Skull & Bones e adquirissem o título para continuar a jornada — uma semana depois do lançamento, informações extraoficiais indicavam uma contagem de menos de um milhão de jogadores em todo o mundo.

Não bastasse a forma sem graça de começar o game, o loot de recursos nem mesmo é interessante. Enquanto o jogador pode descer em ilhas e cidades que servem como hubs de melhorias e compra de suprimentos, a exploração do mapa acontece de dentro do próprio barco, com uma QTE rápida que aparece na tela e define a quantidade de itens coletados.

A lembrança direta não é de um jogo de porte, como a Ubisoft citava durante todo o marketing, mas sim dos chamados clickers de celular , em que o objetivo é apenas tocar a tela. Pressionamentos sucessivos de botões e uma navegação sem sentido, além de pesada e pouco responsiva, terminam de compor uma experiência das piores.

Vamos então para os combates, igualmente repetitivos e maiores vítimas dos controles. Com sua tripulação, o jogador controla a embarcação e também os disparos, mas a verdade é que estará sempre se posicionando ao lado de oponentes e apertando o gatilho repetidamente, torcendo para que a barra de vida do adversário chegue ao fim antes da própria.

Outra promessa vai por água abaixo aqui, já que a baixa população de jogadores faz com que os mares de Skull & Bones sejam habitados por bots. Eles dificilmente mexerão com você se não os atacar primeiro e, depois da primeira batalha, o jogador verá que há pouco incentivo para fazer isso diante da ruindade dos confrontos marítimos.

Para finalizar essa refeição insossa, surge então a mecânica de invadir os navios inimigos. Quem jogou Assassin’s Creed IV: Black Flag se lembra destes como momentos empolgantes que culminavam em combates no convés, mas nada disso está aqui. A ação, que finaliza os confrontos marítimos, se baseia no lançamento de cordas com ganchos que parecem ter uma chance aleatória de agarrarem na embarcação dos oponentes.

Caso o lançamento dê certo, você verá uma cutscene rápida indicando o sucesso, por trás da interface de usuário que indica os ganhos e a vitória na batalha. Apenas isso, sem espadas, lutas ou muito menos algum tipo de domínio sobre a embarcação inimiga — elas, também, são mais uma fonte de itens.

Um jogo médio de 2014

As influências de um Assassin’s Creed IV: Black Flag também aparecem no conjunto gráfico de Skull & Bones , mas não de um jeito positivo. Aqui, temos em mãos um jogo que seria muito bonito no PlayStation 3 e interessante no começo de geração do PS4 , o que vale também para suas mecânicas, que já citamos. É uma “pena” que estamos em 2024.

Entre visuais extremamente datados e os tradicionais bugs, temos também personagens mal modelados. As embarcações são interessantes, assim como as toneladas de cosméticos que aparecem como incentivo às microtransações e servem como indicadores de progresso. Novamente, porém, não há nada que impressione diante da simplicidade mal-acabada do game.

Em outro aspecto de muitos que já citamos parecerem surreais, ver imagens da demo do título que estava disponível na E3 de 2018 torna o resultado ainda mais inexplicável. Lá atrás, apesar de já amaldiçoado por adiamentos e problemas de desenvolvimento, dava para esperar até um título bonito e interessante, que não é o que chegou às nossas mãos.

Dá para voltar, inclusive, ao já citado Sea of Thieves e lembrar que Skull & Bones não poderia ter saído em momento pior. O título da Rare saiu em 2018 e acumula múltiplas expansões desde então, além de uma base fiel de jogadores encantados pelo tom místico e a boa jogabilidade, principalmente em relação ao direcionamento do barco, que usa mapas em vez de indicadores virtuais, aumentando a imersão e a chance de descobrir surpresas pelo caminho.

Seis anos depois, inclusive, o título está prestes a chegar ao PlayStation 5 , em uma polêmica decisão de fim de exclusividade, pela Microsoft , que suscitou discussões por semanas . Em um cenário que não costuma ter jogos de piratas lançados com frequência, Skull & Bones acabou sendo lançado justamente quando um dos melhores do gênero voltou ao centro das atenções dos jogadores.

Vale a pena jogar Skull & Bones?

Skull & Bones poderia ser um game interessante há 10 anos, logo após o lançamento de Assassin’s Creed IV: Black Flag e em um momento de propostas mais simples. Hoje, com gráficos feios e jogabilidade simplória, para dizer o mínimo, não chega a um patamar aceitável mesmo fazendo parte de uma temática que não recebe títulos com frequência.

Mais de uma década de produção, muitos adiamentos e mudanças de rota transformaram o título em um navio fantasma inexpressivo, navegando os mares da indústria de jogos ressoando a um tempo de glória que nunca existiu. De sua principal influência, restou muito pouco, enquanto sobram problemas.

Caso você esteja muito curioso para saber o que levou a Ubisoft a investir dezenas de milhões de dólares e mais de uma década de desenvolvimento, prefira o teste de Skull & Bones . A versão dá acesso a oito horas de jogo gratuito, mais do que suficientes para testemunhar a tragédia que é o título.

Skull & Bones está disponível em versões PC, PlayStation 5 e Xbox Series X|S . A produção é da Ubisoft Singapura.

Leia a matéria no Canaltech .

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