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Diego Dzodan é vice-presidente do Facebook para a América Latina

A prisão do vice-presidente do Facebook para a América Latina, o argentino Diego Dzodan, coloca novamente em pauta a batalha que o Judiciário brasileiro trava há anos com empresas multinacionais como Google e Facebook. Nem mesmo o pedido de encarceramento preventivo é novidade no meio. 

Em 2012, o então presidente do Google Brasil, Fábio Coelho, foi preso pela Polícia Federal acusado de cometer crime de desobediência previsto no Código Eleitoral. Na época, a empresa, proprietária do YouTube, descumpriu uma ordem judicial para retirar da plataforma vídeos que criticavam um determinado candidato. Em sua defesa, a gigante da tecnologia alegava que a responsabilidade pelo conteúdo do vídeo era do usuário e, por isso, não poderia cumprir a determinação da Justiça Eleitoral. Algo semelhante faz o Facebook ao dizer que não responde pelo WhatsApp, aplicativo adquirido pela rede social no início de 2014. 

Esse é apenas um dos problemas que a Justiça brasileira enfrenta toda vez que precisa enviar uma intimação ao WhatsApp: o Facebook alega que os serviços possuem operações autônomas e que não responde pelo aplicativo. Para a advogada especialista em questões de direito digital Flávia Penido, o início do esclarecimento da situação é um dos méritos da polêmica decisão da juiz de São Bernardo, responsável pela prisão do vice-presidente da rede social. E, depois que até o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, se manifestou sobre o bloqueio do WhatsApp no Brasil, não restam dúvidas quanto à titularidade do popular aplicativo de mensagens. 

No recente caso envolvendo o aplicativo de mensagens, o Facebook, mesmo diante de três oportunidades, não liberou as conversas solicitadas à Policia Federal. Por esse motivo, o juiz da Vara Criminal de Lagarto (SE), Marcel Maia Montalvão, determinou uma multa de R$ 50 mil caso a ordem não fosse cumprida. Frente à falta de resposta da empresa, a multa foi elevada para R$ 1 milhão, mas não houve avanços. 

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Reprodução/Facebook

A letra do grupo KLB ganhou uma paródia para mostrar a falta que os usuários sentiram do Whatsapp durante bloqueio de dezembro

Foi diante das reiteradas determinações descumpridas que o juiz decretou a prisão do responsável pela empresa no Brasil, o vice-presidente do Facebook para a América Latina, Diego Dzodan, por impedir a investigação policial com base no artº 2º, §1º, da lei 12.850/2013, também conhecida como "a nova lei do crime organizado". Ainda de acordo com o Tribunal de Sergipe, a decisão é consequência de um processo que corre em segredo de justiça envolvendo tráfico de drogas inteterestadual.

"Judiciário ainda está experimentando"
Para Rony Vainzof, sócio do Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados, qualquer decisão que envolva a liberdade, seja ela de expressão – como no caso do bloqueio de dezembro – ou de ir e vir – no do executivo do Facebook –, é muito sensível. Mas, por outro lado, as autoridades brasileiras precisam de informações para averiguar os crimes cibernéticos.

Segundo ele, tanto o Marco Civil quanto a lei citada pelo magistrado de Sergipe, do crime organizado, preveem a quebra de sigilo das mensagens dos investigados e, independente de serem estrangeiros ou não, os aplicativos utilizados por esses investigados estão subordinados às leis do Brasil porque têm operação local. No entendimento de Vainzof, no caso do WhatsApp, é o Facebook quem responde porque ambos fazem parte do mesmo grupo econômico. 

Porém, conforme lembra Flávia, não é de hoje que o Facebook descumpre com decisões judiciais. E, na sua opinião, reside aí uma das grandes discussões: "Vamos deixar essas empresas transacionais decidirem que leis querem cumprir? Elas nem dizem porque não podem atender os pedidos, apenas ignoram", critica a advogada. Para a especialista, o Facebook e o WhatsApp vão além e se utilizam da opinião pública para fazer fumaça em torno do assunto, trazendo à tona o prejuízo de um bloqueio, sem tocar no assunto das intimições que ignoram. 

"Não vejo alternativas", diz Flávia sobre o bloqueio e a prisão do executivo, ainda que considere as medidas desproporcionais. Segundo a especialista, as multas também não são a solução. "Basta uma pesquisa no Google para comprovarmos que os tribunais costumeiramente diminuem as altas multas impostas sob a alegação de enriquecimento sem causa e que o próprio Código de Processo Civil impõe teto pífio para multas". Além disso, de acordo com ela, as multas demoram a ser cobradas – e, mesmo com essa demora, às vezes não são pagas.

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"O Judiciário está experimentando, descobrindo como fazer para que essas empresas cumpram as nossas leis", afirma ela. Flávia explicou que o correto, por parte do Facebook, seria provar, com laudos, perícia, que não tem como atender às demandas da Justiça brasileira, por questões técnicas, por exemplo. Mas, lembra a advogada, já nos termos de uso, o WhatsApp avisa que é capaz de localizar conteúdos protegidos por propriedade intelectual, o que dá a entender que existe, sim, formas de encontrar mensagens trocadas. Além disso, já existe uma função de backup das mensagens.

Por outro lado, Adriano Mendes, do escritório Assis e Mendes, vê o Judiciário brasileiro despreparado, sem saber o que pedir, por vezes exigindo informações que por lei o WhatsApp não é obrigado nem a ter em nosso território – e nem a dar. "Na maioria das vezes, as autoridades judiciais e policiais solicitam aos provedores de dados e internet informações que estes não possuem ou que não são obrigados a guardar por força de lei ou por seu modelo de negócio", explica o especialista.

"Aqui, em vez de entendermos a tecnologia, preferimos punir quem a desenvolve ou a represente no lugar de buscar provas e concentrar os esforços contra as pessoas que realmente cometeram crimes. Veja, como exemplo, que se houve tráfico de drogas foram utilizados telefones celulares no Brasil, com conexões ativas e possibilidade de rastreamento, além de locais físicos nos quais estes agentes estiveram e poderiam ser interceptados pela polícia. É mais fácil ir atrás da empresa, do executivo do Facebook, do que do traficante."

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Comprado pelo Facebook, WhatsApp é um dos aplicativos de troca de mensagens mais populares do mundo e do Brasil

Para o advogado, o Judiciário brasileiro poderia tentar obter as mesmas informações por outros meios e até com mais eficácia: "Tecnicamente, considerando que os servidores estão em outros países e que o Brasil é signatário de acordos internacionais como o MLAT [Mutual Legal Assistance Treaty], qualquer ordem policial deveria ser enviada por meio deste procedimento ao exterior em vez de serem expedidas apenas no Brasil com citação dos representantes do Facebook no País".

Brasil de fora do tratado de crimes cibernéticos
Para Mendes, outra solução, ainda mais simples, seria o Brasil também assinar a Convenção de Budapeste, um tratado internacional de direito penal e processual penal firmado no âmbito do Conselho da Europa para definir de forma harmônica os crimes praticados por meio da internet e as formas de persecução.

"O  Brasil perde mais tempo e não consegue obter as mesmas informações já compartilhadas de forma padronizada com diversos outros países e com prazo de resposta muito menor", afirma. Mendes vai além: uma vez  que tal medida será revogada em breve, "além do abalo à imagem do nosso judiciário e descrédito do Brasil no ambiente internacional, a prisão dos dirigentes de empresas por questões ligadas à tecnologia mostra como estamos atrasados em relação ao resto do mundo".

Já para Rony Vainof, o Facebook deveria não apenas se preocupar em proteger seus executivos, mas também em eleger quem vai receber essas intimações em nome do WhatsApp de uma vez por todas.

Na opinião do advogado, como qualquer empresa de fora que deseja atuar no Brasil, o Facebook e o WhatsApp deveriam fazer um estudo não apenas econômico, mas também de avaliação das leis do país em que pretendem atuar. "Somos um Estado democrático, não somos uma ditadura, por isso temos leis estabelecidas, legislações específicas que passaram pelo crivo do Estado. Se não tem como respeitar, a empresa que não vá para o país. É a única forma de evitar essa situação."

Procurado, o Facebook não se posicionou até a publicação desta reportagem.

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