O ano de 2020 começou sob a grande expectativa de que, enfim, fosse realizado o leilão do 5G , conforme o previsto pelo governo, mas os usuários que estão ansiosos para colher os benefícios da nova tecnologia terão que esperar mais um pouco, não se sabe exatamente o quanto.
O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, disse em entrevista ao jornal "Folha de S.Paulo" no último domingo (12) que o leilão do 5G deve ocorrer apenas em 2021 e a utilização efetiva da tecnologia pode ficar para o início de 2022.
O Brasil parecia estar alinhado com as grandes potencias mundiais para lançar o 5G em tempo de acompanha-las na evolução tecnológica. A questão é que algumas peculiaridades do sistema de frequências brasileiro, entre outros impasses, travaram, aos poucos, o processo que prometia ser bem mais rápido.
Agora, resta a sensação de estar ficando para trás, e alguns questionamentos, como o quanto os usuários e a sociedade perdem com o adiamento do leilão do 5G .
Internet mais rápida e menos irritação
No Brasil, terceiro país em que as pessoas passam mais tempo em aplicativos , a aplicação que mais fará falta neste período de impasse do 5G é a “superinternet”. A promessa é de mais velocidade e menor latência.
“Se hoje você consegue até 100 megabytes por segundo de download no seu celular, com o 5G você vai chegar até a 1 gigabyte por segundo. Isso por usuário, não é o total. Tem inúmeros usuários conversando com uma mesma antena, cada um com 1 gigabyte por segundo”, explica o coordenador de Tecnologia e Inovação do Centro de Referência em Radiocomunicações do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), Henry Rodrigues.
“Outra aplicação do 5G é a questão da baixa latência. O que é a latência? É a velocidade mas não é termos de byte por segundo, mas em termos de tempo para uma mensagem sair do meu celular e chegar ao destino. Hoje, esse tempo leva 40 milissegundos, 50 milissegundos. Eu envio um comando aqui, e 50 milissegundos depois, ele chega na outra ponta. Isso é muito alto, precisava de uma comunicação mais rápida , quase que instantânea”, completa.
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Em locais de grande circulação de pessoas, por exemplo, o sinal da internet não costuma ser dos melhores e costuma causar irritação nos usuários, situação que seria evitada com o 5G.
“Acho que depois da mudança que a gente teve do 3G para o 4G, a do 4G a 5G vai ser melhor. Quando a gente vai em um estádio de futebol , a gente não consegue se comunicar. Um evento grande, todo mundo usando a rede, com o 5G a gente não vai ter mais esse problema”, reforça Pablo Linhares.
Segurança com carros autônomos e cirurgia à distância
O 5G também promete grandes evoluções na segurança dos automóveis e na medicina , que os brasileiros vão demorar mais para usufruir.
Segundo o pesquisador Henry Rodrigues, a comunicação praticamente imediata permitida pela baixa latência trará alternativas de grande utilidade para a sociedade.
“Já existe um padrão do 5G para os carros se comunicarem entre si . Então, você imagina um carro que está reportando para os carros ao redor a posição dele, a velocidade dele, a aceleração. Vamos supor que o carro da frente acione o freio, depende dessa comunicação para o carro de trás não colidir. Então, se ela não for muito rápida, os carros podem colidir”, afirma.
“Outra aplicação é a questão da telemedicina . Você fazer um exame a distância, em um caso mais simples. Ou em um caso mais extremo, você fazer uma cirurgia à distância. Isso depende muito desses dois parâmetros, que é latência e vazão. Latência mais baixa e vazão mais alta”, completa.
Atraso no leilão pode comprometer o mercado
Na visão de Pablo Linhares, presidente da PLL, empresa brasileira de tecnologia focada em serviços, o atraso no leilão pode causar uma desaceleração no mercado.
“É um retrocesso para gente porque os países pelo mundo já estão à frente. O que acontece é que os produtos serão lançados e não vamos conseguir utilizar aqui. Então, o consumo vai deteriorar nesse quesito. Muita gente vai deixar de consumir para esperar a entrada do 5G, isso desacelera um pouco. Os celulares estão preparados, mas não terão utilidades", avalia Linhares.
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Celular 5G vale a pena?
Com isso, é seguro afirmar que não há razão para o consumidor ter ansiedade em adquirir algum equipamento que suporte a tecnologia, até porque as próprias fabricantes precisam esperar a resolução do impasse para ter esses produtos valorizados no mercado.
Antecipar-se ao leilão, neste cenário de incerteza, na busca por comprar um celular importado , por exemplo, não parece uma boa ideia diante da possibilidade de o aparelho se tornar obsoleto durante o período de espera.
“Os primeiros países a lançar o 5G, a criar redes disponíveis aos usuários, foram China, Coreia do Sul, Reino Unido e Alemanha. Todos esses lançaram em 2019", afirma Rodrigues.
"Nesses países você consegue comprar um celular com 5G. No Brasil, é melhor esperar . Para usar aqui no Brasil a funcionalidade 5G é inútil enquanto a rede das operadoras não estiver no ar. O celular ficará obsoleto até lá”, opina Rodrigues.
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Se o mais lógico é esperar pelo lançamento do 5G para comprar um aparelho que suporta a tecnologia, é válido imaginar que isso pode reduzir as vendas de smartphones, ao menos a curto prazo.
Indústria
A questão da demora na implementação do 5G não será impactante apenas ao usuário comum e ao setor da fabricação de celulares. A indústria, de uma maneira geral, também será privada de benefícios que poderiam aperfeiçoar o processo de produção .
“Se você olhar para a sociedade como um todo, existe uma relação direta entre o crescimento do PIB e o investimento de infraestrutura em telecomunicações. Quanto mais conectado o país está, isso significa uma economia mais aquecida. Além do impacto ao consumidor propriamente dito, o 5G tem outras aplicações que não é para o mercado consumidor”, lembra Henry Rodrigues.
“Muitos países estão apostando nesse modelo de criar redes 5G privadas, para aplicações industriais . Então, você tem uma indústria, um chão de fábrica, que hoje é todo controlado por uma rede cabeada. Existe uma tendência de substituir essa rede de cabos por uma rede 5G. Isso trás algumas vantagens, dá mobilidade às máquinas”, completa.
Mais três anos de espera pelo celular 5G
O 5G não ficará disponível no mesmo ano do leilão , uma vez que a implementação leva tempo. Supondo que o leilão seja realizado em 2021, a tendência é que as pessoas tenham acesso à tecnologia entre 2022 e 2023.
“Mesmo o leilão acontecendo, não significa a entrada do 5G automaticamente, porque existe esse tempo, que não é da noite para o dia, de trocar a frequência do satélite , que significa utilizar um outro satélite, e depois você ter que apontar todas as antenas para esse outro satélite e trocar o aparelho receptor, porque ele vai passar a operar em uma outra frequência”, explica Henry Rodrigues.
Por que tanto atraso?
Institutos de pesquisa e empresas do Brasil já estão trabalhando no desenvolvimento da tecnologia há anos, tanto que estão praticamente prontos para fornecê-la.
O problema é que a frequência na qual o 5G funcionará já está ocupada pelo serviço de TV parabólica via satélite . O procedimento para fazer essa transição é um dos motivos que faz aumentar a demora na implementação da nova rede móvel, conforme explica Henry Rodrigues, .
“O Brasil implantou a rede 3G atrasado em relação ao resto do mundo. Quando chegou o 4G , impulsionado até pela Copa do Mundo, o Brasil entrou junto com os demais países.
O 5G, aqui no Inatel, a gente vem fazendo pesquisa, desenvolvendo solução desde 2015, não é questão nem de entrar junto, mas sim de desenvolver tecnologia junto com os demais países.
Embora a gente tenha dado esse passo à frente, em relação ao 4G, no que diz respeito à implantação da rede, nós demos um passo atrás. E esse passo atrás é, simplesmente, porque o Brasil herdou esse legado de receptores de TV aberta via satélite , que não existe em lugar nenhum no mundo. Só o Brasil utiliza TV aberta via satélite nessa frequência”, afirma o pesquisador.
Chineses querem participar, mas EUA não querem deixar
Outro motivo para o atraso, esse menos comentado pelos especialistas em razão de seu teor polêmico, envolve a Huawei , uma das fabricantes mais avançadas no fornecimento da tecnologia.
O presidente dos EUA, Donald Trump, tem pressionado o governo Bolsonaro para que a gigante chinesa seja barrada do leilão , assunto delicado que tem causado indecisão nos bastidores.
Apesar disso, o ministro Marcos Pontes afirmou, em entrevista recente, que não cederá à pressão.
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“Um bom parceiro sempre entende as necessidades do outro. Da mesma forma que o Brasil não pressiona os EUA sobre quais negócios fazer com a China, e como isso afeta ou não a nossa agricultura ”, disse Pontes.
5G para a capital e 4G para o interior
Todo o cenário de recepção de uma nova tecnologia envolve também a questão social . Quem são as pessoas que terão acesso ao 5G?
Conforme a lógica das implementações anteriores (4G e 3G), os beneficiados serão os moradores das cidades maiores , enquanto os munícipios do interior irão herdar a tecnologia anterior. De qualquer maneira, a evolução virá para os dois tipos, conforme explica Pablo Linhares.
“As capitais vão ser beneficiadas com o 5G, e os interiores, parte das estradas, vão ficar com o 4G, como hoje é com o 3G. As operadoras não vão colocar o 5G para o Brasil todo. Isso pelo menos não aconteceu com a entrada do 3G e não aconteceu com a entrada do 4G. Hoje, se você for fazer uma viagem de carro, tem área que você pega sinal 3G e tem área que você pega 4G. Mas acaba beneficiando porque vão trocando as redes antigas”, explica.
Qual empresa fornecerá o 5G no brasil?
O leilão, ainda sem data definida, vai contar com a participação das operadoras de telecomunicações , como Vivo, Claro, Time, Algar e Oi. Essas empresas irão firmar parcerias com fabricantes que já demonstraram interesse no assunto, caso da Huawei, da Nokia e da Ericsson.
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O 5G funcionará uma faixa de frequência que gira em torno de 3,5 giga-hertz, e cada operadora concorre a uma certa quantidade de mega-hertz do espectro. Com isso, várias empresas podem oferecer o serviço simultaneamente, mas esse número não deve passar de seis.
Apesar de investirem em pesquisas de desenvolvimento da tecnologia, nenhuma das operadoras iniciou trabalhos relacionados à infraestrutura, justamente por causa do adiamento do leilão . Todo esse processo será iniciado apenas depois da distribuição das faixas.