A nova corrida espacial que mobiliza bilionários está prestes a ganhar um novo capítulo nesta quarta-feira, quando a missão ‘Inspiration4’ da Space X, do bilionário Elon Musk, levará quatro pessoas à órbita da Terra por pelo menos três dias.
Será a primeira vez que civis sem formação específica e sem a companhia de astronautas farão essa jornada, que deve ser mais um marco no desenvolvimento da indústria do turismo espacial.
A cápsula Crew Dragon Resilience será lançada no topo de um dos foguetes reutilizáveis Falcon 9, da empresa espacial de Musk, mas o bilionário não estará a bordo.
O lançamento está previsto para começar às 21h, horário de Brasília. O local da decolagem é a plataforma 39A do Kennedy Center da Nasa, na Flórida, de onde também partiram as missões Apollo rumo à Lua no século passado.
Diferentemente de Jeff Bezos e Richard Branson, os bilionários por trás das principais rivais da SpaceX, Musk preferiu não ir ao espaço no primeiro voo turístico de sua companhia.
Quem comandará a viagem será Jared Isaacman, fundador da empresa de comércio eletrônico Shift4 Payments. Junto com ele estarão outros três tripulantes, num total de dois homens e duas mulheres.
Será também a primeira viagem tripulada ao espaço sem que os viajantes pousem na Estação Espacial Internacional (IIS, na sigla em inglês) desde a missão final de manutenção do telescópio Hubble, a STS-125, em maio de 2009.
Missão mais ambiciosa e arriscada
Na disputa dos bilionários, a viagem espacial da empresa de Elon Musk é ainda mais ambiciosa que as executadas em julho por Richard Branson e Jeff Bezos à frente da Virgin Galactic e da Blue Origin, respectivamente.
Branson e Bezos realizaram voos suborbitais, ou seja, as espaçonaves não chegaram a entrar na órbita da Terra. Atingiram, respectivamente, 85km e 107km de altitude - até que os tripulantes experimentassem poucos minutos de falta de gravidade -, e logo voltaram ao chão.
Já a cápsula Crew Dragon, de Musk, entrará em trajetória circular assim como a Lua, e satélites artificiais e a Estação Espacial Internacional, cuja altitude (408km) será superada pela nave de Musk.
A viagem deverá demonstrar o que já apontam especialistas na área: Musk é quem lidera a corrida dos bilionários pelo turismo espacial.
'O risco não é zero', admite viajante
Para isso acontecer, a cápsula precisa atingir uma velocidade seis vezes maior que a de um voo suborbital, segundo especialistas.
"O risco não é zero", disse Isaacman, um dos tripulantes, em um episódio de um documentário da Netflix sobre a missão espacial. "Você está viajando em um foguete a 28 mil quilômetros por hora ao redor da Terra. Neste tipo de ambiente há riscos", explicou.
Volta ao redor da Terra em 90 minutos
Segundo a Reuters, os tripulantes darão uma volta ao redor do globo uma vez a cada 90 minutos e a mais de 27.358 km/h, ou aproximadamente 22 vezes a velocidade do som.
Durante os três dias em órbita, eles terão o sono, a frequência cardíaca, o sangue e as habilidades cognitivas examinadas.
Os tripulantes passarão por testes antes e depois da missão para um estudo do impacto da viagem em seus corpos. A ideia é acumular dados para futuras missões com passageiros privados.
A tripulação também realizará experimentos médicos com "aplicações potenciais para a saúde humana na Terra e durante futuros voos espaciais", informou a SpaceX.
O que separa Musk de Bezos e Branson
A altura alcançada pelos voos, consequentemente, também é bem diferente. O voo da Virgin Galactic, de Branson, ficou abaixo da chamada Linha de Kármán, marca de 100 quilômetros considerada o limite entre atmosfera e espaço.
Bezos voou um pouco mais alto, atingindo 100 km e despertando a polêmica sobre qual é a fronteira entre a atmosfera e o espaço.
O voo da empresa de Musk atingirá uma altitude de 575 km, mais distante que a Estação Espacial Internacional (ISS, sigla em inglês), que fica a aproximadamente 408km de altitude.
A Crew Dragon Resilience tem lugar para seis tripulantes, mas irão somente quatro passageiros. E o bilionário Elon Musk não será um deles.
Confira a seguir o perfil de cada um:
Jared Isaacman:
O bilionário Jared Isaacman, de 38 anos, é fundador e CEO da Shift4 Payments, empresa de processamento de pagamentos. Isaacman também é piloto experiente e apaixonado pelo espaço.
Ele entrou em contato com a SpaceX após ver o voo de Richard Garriott, um dos primeiros turistas espaciais privados, rumo à Estação Espacial Internacional, em 2008.
Isaacman já disse em entrevistas que sempre quis ir ao espaço e, quando fosse, gostaria de doar alguns assentos a pessoas que merecessem estar a bordo. Ele está financiando a missão e será o comandante da Inspiration4. O valor pago não foi revelado.
Hayley Arceneaux:
A mais jovem do grupo, Hayley Arceneaux, de 29 anos, é médica assistente do St.Jude Children’s Research Hospital.
O hospital é o mesmo onde Hayley, aos 10 anos, recebeu tratamento para um câncer nos ossos, que a levou a receber um joelho artificial e uma prótese de titânio substituindo um fêmur.
Hayley representa o pilar da "esperança". Ela será a primeira pessoa com uma prótese a viajar ao espaço.
Chris Sembroski:
Chris Sembroski, de 42 anos, é ex-veterano da Força Aérea dos Estados Unidos e trabalha na indústria da aviação, na divisão aeroespacial da Lockheed Martin.
Sembroski foi o escolhido entre 72 mil participantes ao participar de uma campanha de arrecadação de fundos para o St. Jude, que até o momento conseguiu US$ 15 milhões, além da doação de Isaacman.
No concurso, o hospital ofereceu um assento no voo a um vencedor.
Dra. Sian Proctor:
Sian Proctor, de 51 anos, é geocientista e foi escolhida por Isaacman. AProctor, que também é comunicadora científica e já foi professora no Arizona, perdeu por pouco a oportunidade de ser astronauta da Nasa em 2009.
Ela será apenas a quarta mulher afro-americana a viajar ao espaço.
Missão com propósito
Intitulada Inspiration4, a missão espacial teve seu nome escolhido por Jared Isaacman, que deseja ampliar a conscientização e apoio ao St. Jude Children's Research Hospital, centro de tratamento do câncer ósseo infantil, no Tennessee, Estados Unidos.
Segundo a AFP, cada membro da tripulação representa um pilar da missão: prosperidade (Proctor), generosidade (Sembroski), esperança (Arceneaux) e liderança (Isaacman).
A expectativa é arrecadar US$ 200 milhões. Os primeiros US$ 100 milhões já foram doados por Isaacman e o restante será arrecadado através do site Inspiration4.
Visão em 360º do espaço
Diferentemente das outras missões realizadas através da cápsula New Dragon, em que as janelas eram retas e pequenas, o Resilience conta uma janela em formato de redoma, a Cupola, que oferecerá uma visão em 360º do espaço aos tripulantes.
Isso só foi possível graças a uma alteração na estrutura da cápsula. Em outros lançamentos, a New Dragon utiliza uma porta de conexão para poder atracar à Estação Espacial Internacional (ISS) e concluir as entregas de cargas.
Desta vez, já que a missão Inspiration4 ficará flutuando na órbita, a porta deu lugar à redoma para que passageiros tenham a “vista mais incrível da órbita da Terra”, segundo a empresa.
Treinamento
Sem a presença de astronautas profissionais durante a missão, os quatro membros da tripulação passaram cinco meses se preparando rigorosamente para o voo.
O treinamento incluiu preparação em altitude - com caminhada na neve no Monte Rainier, na região noroeste dos Estados Unidos -, a experiência de força G em uma centrífuga, atividades em simulador, exercícios de emergência, trabalho em sala de aula e exames médicos.
Também foram realizados voos parabólicos para que os passageiros experimentassem a falta de gravidade por alguns segundos.
À frente na corrida espacial
Avaliada em mais de US$ 74 bilhões em abril, de acordo com o Pitchbook, a SpaceX é considerada a empresa mais bem estabelecida na corrida espacial bilionária que atraiu bilhões de dólares em novos investimentos nos últimos anos.
A empresa de Musk tem lançado astronautas e enviado inúmeras cargas para a Estação Espacial Internacional para a NASA. Além disso, a capacidade de a SpaceX desenvolver foguetes que podem ser usados várias vezes reduziu o custo de voar para o espaço, segundo analistas do setor.
A companhia já tem quatro missões fechadas com a Axiom Space, que reservou a Crew Dragon para levar tripulações totalmente privadas à Estação Espacial Internacional no ano que vem.
Com sede em Hawthorne, Califórnia, a SpaceX está desenvolvendo um serviço de internet banda larga baseado em satélite e construindo um módulo lunar para a NASA, além de orquestrar os lançamentos.