Gary Ruvkun, ganhador do Nobel de Medicina, durante coletiva de imprensa no Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, em 7 de outubro de 2024
LAUREN OWENS LAMBERT
Gary Ruvkun, ganhador do Nobel de Medicina, durante coletiva de imprensa no Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, em 7 de outubro de 2024
LAUREN OWENS LAMBERT

O geneticista Gary Ruvkun lembra vividamente do momento em que, durante uma chamada telefônica noturna com seu velho amigo e agora premiado com o Nobel de Medicina 2024, Victor Ambros, fizeram sua descoberta revolucionária dos interruptores genéticos que existem na árvore da vida.

Eram os primeiros anos da década de 1990. Os dois, que haviam se conhecido uma década antes e se uniram por sua paixão por uma espécie de minhoca, trocavam informações às 23h da noite, um dos poucos momentos em que Ambros podia deixar de dar atenção a seu filho recém-nascido.

"Tudo encaixava como as peças de um quebra-cabeça", disse Ruvkun em entrevista à AFP de sua casa em um subúrbio de Boston, pouco depois do anúncio do prêmio nesta segunda-feira. "Foi um momento 'Eureka'", acrescentou.

O que haviam descoberto eram fragmentos de ácido ribonucleico (microRNA): pequenas moléculas genéticas que atuam como reguladores-chave do desenvolvimento em animais e plantas, e que prometem avanços no tratamento de uma vasta gama de doenças, incluindo o câncer.

"É um pouco como se a astronomia começasse observando o espectro visível e depois as pessoas pensassem: 'Se observarmos com raio X, vamos poder ver acontecimentos de energia muito maior'", explicou Ruvkun. "Estávamos observando a genética em escalas muito menores do que se havia observado antes".

- Uma raridade -

Os dois pesquisadores publicaram sua descoberta na revista Cell alguns meses depois, em 1993. Mas, naquele momento, ela não foi considerada um grande avanço, já que o seu trabalho se concentrava em nematódeos C. elegans.

Ambros e Ruvkun estavam intrigados com a interação entre dois genes que pareciam alterar o desenvolvimento normal do animal: o faziam permanecer em um estado juvenil ou adquirir características adultas prematuramente.

"Éramos considerados uma raridade no mundo da biologia do desenvolvimento", recorda Ruvkun, de 72 anos. Não imaginavam que o seu trabalho sobre a interação de dois genes que parecem alterar o desenvolvimento deste minúsculo nematódeo seria recompensado algum dia.

E foi no ano 2000 que uma segunda descoberta mudou tudo. Ruvkun e seu laboratório descobriram a existência de microRNA em muitos outros organismos vivos, de lombrigas a moluscos, passando por aves, mamíferos e também humanos.

Naquele momento, o genoma humano ainda estava sendo sequenciado. "Acho que um terço já havia sido concluído" e isso foi colocado à disposição dos pesquisadores, lembra Ruvkun. "E já era possível ver microRNA nesse terço do genoma humano". "Foi uma surpresa", acrescentou.

Desde então, a pesquisa explodiu e os microRNAs são citados em mais de 170.000 publicações biomédicas.

Foram identificados más de 1.000 microRNAs no DNA humano, e alguns já estão sendo utilizados para compreender melhor os tipos de tumores e desenvolver tratamentos para pessoas com leucemia linfocítica crônica.

Também estão ocorrendo ensaios para desenvolver microRNA como tratamento de doenças cardíacas.

Quase 30 anos depois de sua noite "Eureka", a dupla recorreu ao telefone novamente para compartilhar o prêmio Nobel. "Vamos comemorar como loucos", ri Ruvkun.

    AFP

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