Valeri Tokarev e Marcos Pontes
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Valeri Tokarev e Marcos Pontes


O mês de abril é importante para mim porque marca o momento em que a tecnologia e a determinação humana transcenderam os limites da capacidade do homem. Em 12 de abril de 1961, Iuri Gagarin, cosmonauta russo, decolou rumo ao espaço pela missão soviética Vostok. Essa realização mudou completamente o mundo, deu um novo rumo à exploração espacial e ampliou o acesso ao conhecimento. Isso despertou a busca por superação e protagonismos, abrindo espaço para um legado espacial importante para o futuro da humanidade.

Em 2006, após uma longa jornada, era a minha vez de ultrapassar as fronteiras. A Missão Centenário, fruto de um acordo entre a Agência Espacial Brasileira (EAB) com a Agência da Federação Russa (Roscosmos), me levou ao espaço, tornando-me o primeiro brasileiro a desempenhar essa missão. Após períodos de treinamento na NASA, nos Estados Unidos e na Cidade das Estrelas, na Rússia, embarquei rumo à Estação Espacial Internacional (ISS) e foi lá que conheci Valeri Tokarev.

Tokarev já estava na Estação Espacial a quase 6 meses e, depois de 10 dias, voltamos eu, Valeri Tokarev e o Astronauta americano William McArthur. A Missão foi um sucesso e o pouso ocorreu conforme o planejado.

Inauguração do busto Iuri Gagarin, no Planetário de Brasília
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Inauguração do busto Iuri Gagarin, no Planetário de Brasília


18 anos depois, no dia 12 de abril de 2024, no Dia do Gagarin, tive a alegria de reencontrar o meu amigo Valeri Tokarev aqui em Brasília em um evento que homenageou o primeiro astronauta a ir para o espaço. O Planetário de Brasília realizou um evento de inauguração do Busto de Iuri Gagarin, um momento emocionante que reforça a importância da exploração espacial e do legado deixado por pioneiros como Gagarin.

Não é comum dois astronautas se encontrarem assim, mas tivemos essa oportunidade e eu aproveitei para entrevistá-lo. Gentilmente, Valeri me contou seus desafios e sensações que apresentou enquanto esteve no espaço e aproveitamos para lembrar bons momentos.

Missão Centenário e encontro com a tripulação da Estação Espacial Internacional
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Missão Centenário e encontro com a tripulação da Estação Espacial Internacional


Astronauta Brasileiro Marcos Pontes: Muito obrigado por estar aqui, compartilhar esse momentos. Muitos jovens vão adorar. Começando pela história. Como se tornou Cosmonauta?

Cosmonauta Russo Valeri Tokarev: Na verdade, são histórias bastante semelhantes (com a do Astronauta Marcos Pontes), que são típicas.. Bem, com uma diferença da Rússia, União Soviética para aquela época. Enfim, eu era piloto de caça, piloto de teste militar da União Soviética. Muitos programas espaciais foram planejados. Um deles se chamava Buran, um SSM como Space Shuttle, o mesmo que um ônibus espacial. Então, eu fui selecionado como piloto de testes, eu fiz parte do programa de testes dos programas espaciais.

Astronauta Brasileiro Marcos Pontes: Qual é a lembrança mais marcante que você tem desse período na Estação Espacial Internacional (ISS)?

Cosmonauta Russo Valeri Tokarev: Bem, na verdade, em 2006, quando esperávamos a sua chegada à estação, meu colega e eu, o Astronauta americano Bill McCarthy, já estávamos em órbita há mais de seis meses juntos. E sua chegada, de fato, nos deixou ansiosos. Um visitante que veio da Terra. Foi um evento alegre! Especialmente, porque já estávamos nos preparando para entregar a Estação aos próximos astronautas. Porque, para nós, essa substituição, veio depois de uma longa jornada, de um grande percurso, e agora estaríamos indo de volta para casa. Para Terra nativa.

Astronauta Brasileiro Marcos Pontes: O pessoal tem bastante curiosidade para saber e como você tem bastante tempo no espaço, vou perguntar. Sobre os sistemas da Estação Espacial… durante o seu voo, houve algum problema que você ficou preocupado? Que o coração ficou acelerado?

Cosmonauta Russo Valeri Tokarev: Você sabe da complexidade da estação espacial. Ela é mesmo muito complicada. Embora, construída de forma hábil, são mecanismos com muitos números, modernas, com ferramentas e dispositivos. Tem que entender matemática, engenharia e computação. É muito complexo. Mas, tudo se torna secundário se o banheiro não funcionar. É uma situação alarmante! Quando estamos no espaço, essas coisas são muito importantes. Não é como na terra. Uma situação que aconteceu comigo e com o Bill, estávamos em uma atividade extraveicular. Significa que a gente saiu da estação para o espaço. Saímos para um conserto rápido. E quando voltamos, estávamos, há 12 horas, com o traje espacial. Eu realmente queria ir ao banheiro. E, durante a reativação e na primeira inclusão, o computador apresentou uma falha, um erro. O banheiro não funcionou! Então, este é, talvez, seja o momento mais memorável. Eu tinha que tirar o traje rapidamente, mas ao mesmo tempo, consertar o banheiro o mais rápido possível. Bem, isso é para sempre. Para toda a história!

Astronauta Brasileiro Marcos Pontes: Seres humanos no espaço têm necessidades humanas. Pressão e qualidade do ar, comida, água, banheiro. Se faltar coisas básicas, complica a sobrevivência. Por falar em atividade extraveicular, são as atividades fora da Estação Espacial. É utilizado o próprio traje espacial como espaçonave. Takarev tem uma experiência interessante. Qual atividade foi mais difícil?

Cosmonauta Russo Valeri Tokarev: Os trajes são verdadeiras aeronaves. Bill e eu estávamos sozinhos. Só estávamos nós dois na estação e tivemos que usar os trajes espaciais americanos Mas precisa de uma terceira pessoa para ajudar a vestir o traje americano em um astronauta. Não duas. Não tínhamos uma terceira pessoa a bordo. Então aconteceu um problema que a gente precisava corrigir fora da estação usando um traje americano. Então, fizemos um treinamento antes. Fizemos um treinamento de vestir o traje para sair juntos. E conseguimos resolver o problema. Talvez este tenha sido o mais difícil de todos. Porque, antes disso, ninguém vestindo trajes americanos juntos, saiu da estação. Bem, isso também não aconteceu depois de nós. Era um tipo de situação freelance. E em geral aqui para nós, basicamente, traje russo, tarefas russas. Traje americano, tarefas americanas. Bem, mais há 3 redocks. Então, voltamos a estação 5 vezes. Aí bem 5 vezes sim, desacoplado da estação.

Astronauta Brasileiro Marcos Pontes: A gente costuma ver o traje extraveicular branco. Isso é uma espaçonave, na verdade. Existem diferenças entre os trajes russo e americano e você tem experiência nos dois. Mas quais são os pontos positivos de cada um?

Cosmonauta Russo Valeri Tokarev: Bem, vamos começar com isso! Ambos os trajes espaciais realizam uma tarefa semelhante. Ou seja, russo e americano são adaptados, foram construídos para executar. Um traje espacial russo tem um ferro keras. Isso é metal, ou seja, lá ele é mais difícil porque é mais pesado. E suporta mais pressão lá, mas ao mesmo tempo, quando você tem mais pressão interna, dentro do traje espacial, ele fica mais forte. Tem que trabalhar mais e superar o esforço da rigidez de um traje espacial. Mas ao mesmo tempo, você tem a oportunidade de fazer a dessaturação, você precisa limpar o nitrogênio do sangue com oxigênio por um período de 35 minutos. O traje espacial americano é construído de forma diferente. Ele é mais macio e mais leve, não tem tanto metal, a pressão nele é mantida menor do que no russo. Isso possibilita trabalhar mais facilmente, trabalhar fora da estação em órbita. Mas por isso, o treinamento de pessoas assim como eu, é mais extenso. Requer quase quatro, cinco horas para passar por essa distorção, ou seja, assim você sempre tem que sacrificar algo em condições extremas é assim mesmo, é certo que se você quer mais rápido, então você vai perder algo então, assim há diferenças, há prós e contras para cada um.

Astronauta Brasileiro Marcos Pontes: Nosso corpo foi desenvolvido na Terra. Nas condições do espaço, podemos desenvolver alguns problemas e desestabilização de sistemas. No dia a dia, temos que nos exercitar e tomar cuidado com o nosso corpo. Fale um pouco a respeito do cuidado com o corpo no espaço. Apresentou alguma alteração?

Cosmonauta Russo Valeri Tokarev: Na verdade, esse voo de longa duração é altamente regulamentado. Basicamente porque é um prazer voar para o espaço. É muito caro. A cada dia se torna mais planejado. Trabalhamos o tempo todo, exceto quando estamos dormindo ou com um tempo para descanso. O restante pode ser considerado tempo de trabalho com breves intervalos para as refeições. Mas durante esse período e em voos de longa duração, como de seis meses, o corpo em microgravidade começa a sofrer bem na primeira semana. Literalmente, perdemos líquidos. Eles saem do corpo. O corpo desequilibra, gradualmente o calcio é retirado dos ossos porque na microgravidade não precisa tanto dele. O fato de estar em condições de zero gravidade é um problema que afeta todos os astronautas. Precisamos fazer exercícios físicos, corremos na esteira, com faixas elásticas para conseguir correr. Isso é uma condição obrigatória para evitar a atrofia muscular. Precisa reservar na agenda cerca de duas horas por dia com exercícios físicos. Quanto melhor se condicionar, melhor seu retorno à Terra.

Astronauta Brasileiro Marcos Pontes: Eu tô levando a entrevista para o lado técnico, mas tem muita situação engraçada. Tem algo que lembra para dar risada?

Cosmonauta Russo Valeri Tokarev: Sobre módulos da ISS, o que você pode contar? Bem sim, infelizmente não podemos compartilhar tudo ou algumas peculiaridades. Mas como na vida real, quando você vive e trabalha por meses, sempre acontece alguma coisa por lá. Como quando acordei com o alarme. Minha cabine estava a 50 metros entre o módulo americano e o módulo russo. Estava dormindo quando o alarme soou. Então, rapidamente, o sistema foi ativado e eu, rapidamente, estava no módulo de comando do sistema. Mas… nenhum sistema mostrava qualquer defeito. Tudo estava tranquilo. Eu pensei que tinha sonhado quando vejo o Bill flutuando de seu módulo também. Ele também tinha ouvido o alarme. Esse alarme não apareceu em nenhum sistema, o que foi curioso. Quem nos enviou esse sinal? Nós não sabemos (risos).

Astronauta Brasileiro Marcos Pontes: Muita gente me pergunta se eu vi objeto voador não identificado e se acredito em vida fora da terra. Tokarev ficou mais tempo que eu no espaço. Eu não vi. Queria perguntar, acredita em vida fora da terra? Viu alguma coisa diferente lá?

Cosmonauta Russo Valeri Tokarev: Eu, pessoalmente, espero que não estejamos sozinhos no universo. Talvez não seja ainda a hora para a humanidade ter contato com alguma civilização alienígena distante. Na verdade, muitos astrônomos definem bem, que nas últimas décadas descobriram cada vez mais exoplanetas onde, na opinião deles, deveria haver vida, vida biológica semelhante pelo menos. O que realmente acontecerá, bem, ainda não sabemos. Mas de qualquer forma, eu acho que muitos acreditam nisso. Por outro lado, nem eu nem meus colegas conhecidos encontramos em nenhuma na órbita, nem na Terra, com seres alienígenas ou representantes de outras civilizações. Talvez ainda não seja a hora.

Astronauta Brasileiro Marcos Pontes: Na hora do retorno à Terra, tem o aquecimento, a vibração, a abertura do paraquedas, o pouso… somos socorridos e conduzidos a um local de tratamento. Lembro que a primeira vez que fiquei de pé e coloquei o pé no chão, olhei para o Valeri e senti a minha energia voltar. Comecei a respirar, mudei de cor e fiquei mais corado. É uma conexão interessante. Ver as pessoas de novo.. Eu tive várias sensações quando vi as pessoas de novo e o calor humano. Valeri, depois de pousarmos, como descreve a situação dentro de você? O que sentiu ao realizar o término da missão?

Cosmonauta Russo Valeri Tokarev: É essa sensação de dever cumprido, a missão foi completada depois de uma longa estadia lá na expedição, no espaço. Todas as tarefas que foram estabelecidas para nós foram cumpridas. Nós retornamos com sucesso. O retorno é suficiente, mas cansativo e arriscado. Retornar à Terra é uma etapa do voo onde você verá seus entes queridos, sua família. Você andou pela Terra por tanto tempo.. tive tempo suficiente para sentir saudades e esse momento de descobrir quando aterrissamos, percebi que todos nós, toda a tripulação juntos, estávamos vivos e saudáveis. Tudo está bem na Terra. A nave espacial não caiu, ficamos de pé como se estivéssemos fixados, como se estivéssemos enterrados, tudo de acordo com o cronograma exato. O desvio de precisão foi de, no máximo, 1 km. Isso é realmente uma ótima avaliação. Então, por um lado, falo da missão cumprida, por outro lado o retorno após uma longa expedição para uma terra tão familiar. Não me sentia tão em casa aqui na Terra, quando você mora aqui constantemente você se acostuma a ver isso como algo natural. Mas para realmente sentir isso, você precisa passar algum tempo fora da Terra, então você entenderá todo o valor de estar na Terra. Esse é o nosso lugar.

Astronauta Brasileiro Marcos Pontes: Como vê o futuro da exploração espacial pela perspectiva da Rússia. Dê um incentivo especial para os jovens.

Cosmonauta Russo Valeri Tokarev: Atualmente, primeiro, nós temos um compromisso internacional e relações de parceria para manter e preservar a Estação Espacial Internacional em funcionamento. E segundo o que o chefe da operação estatal na Rússia avaliou é que, pelo menos até 2028 e além, sua condição será novamente avaliada pelos parceiros internacionais. Isto é, uma direção em astronautas canadenses. Sobre a construção de uma nova estação espacial, a Estação Espacial Russa, que será chamada de Estação Ross, terá uma órbita diferente, uma órbita polar, ou seja, ela permitirá a possibilidade de observar toda a Terra com uma inclinação de 97,30 graus. A Rússia é um país do norte, isso é importante para a rota marítima do norte que está planejada também para resolver uma série de tarefas econômicas. Essa é a segunda direção. A terceira é a criação de uma nova espaçonave para substituir a Soyuz. Essa espaçonave terá a capacidade de voar não apenas em órbita próxima à Terra, mas também voar para a Lua. Isso também, em geral, outras direções estão relacionadas não só com piloto, estou falando apenas sobre o espaço tripulado para lançar a nova nave. É necessário novos foguetes que também estão sendo criados. A Rússia cobre todo o espectro de transportadores espaciais, ou seja, o foguete Angara que recentemente observamos um lançamento bem-sucedido, é um novo foguete Angara de uma classe mais pesada capaz de lançar naves maiores e mais pesadas e separadamente. A construção do espaço não tripulado, o sistema de satélites, também está sujeito a renovação e expansão. Temos um conjunto completo de recursos e tecnologias tanto em missões tripuladas quanto em programas espaciais não tripulados.

Astronauta Brasileiro Marcos Pontes: A gente faz uma ligação grande no espaço. Confiamos na vida um do outro. Se um erra, o outro morre.

Cosmonauta Russo Valeri Tokarev: Primeiramente, obrigado pelo convite e pela oportunidade de visitar o Brasil. É a minha primeira vez no país, embora eu tenha lido muito. Estávamos planejando voar pelo Brasil, para a Antártica e planejamos especialmente a rota para visitar a Amazônia, o rio Amazonas e ver de verdade os 'pulmões' do planeta que fornecem muito oxigênio para a atmosfera do planeta. Isso é muito importante! Segundo, realmente a Rússia é um país hospitaleiro e não é famoso apenas pelo futebol. Nós conhecemos bem e amamos futebol. Sabemos quão bom é o futebol e como os jogadores brasileiros se apresentam profissionalmente e principalmente são muito técnicos. Portanto, eu gostaria de desejar aos espectadores e a todos os moradores do Brasil continuar sendo assim, amigáveis sempre muito sorridentes, pessoas agradáveis de conviver. Gostaria de desejar sucesso também na economia para que nossas relações entre Brasil e Rússia, relações amistosas, continuem evoluindo dentro do BRICS e em outros relacionamentos de parceria, incluindo no espaço. Afinal, nos encontramos no espaço e voamos juntos para o espaço e pousamos juntos. E tudo isso foi um sucesso. Com sucesso completamos todas as tarefas. Acho que só precisamos resolver mais e mais essas tarefas conjuntas. Então, haverá benefícios mútuos tanto para a Rússia quanto para o Brasil.


** Marcos Pontes é mestre em Engenharia de Sistemas e o primeiro astronauta profissional a representar oficialmente um país do hemisfério sul no espaço. Foi ministro das Comunicações (2019-2020) e da Ciência, Tecnologia e Inovações (2020-2022). Atualmente é senador da República por São Paulo, cargo para o qual foi eleito com mais de 10,7 milhões de votos. Entusiasta do avanço das tecnologias de inteligência artificial, defende o desenvolvimento econômico e social do país por meio do conhecimento, da educação, da ciência, da tecnologia, da inovação e do empreendedorismo.

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