Senador Astronauta Marcos Pontes
Agência Senado
Senador Astronauta Marcos Pontes


Para quem ainda não sabe, a NASA, uma das principais e mais prestigiadas agências espaciais do mundo, emprega profissionais de várias áreas. Os mais requisitados são os engenheiros, seguidos pelos médicos, devido à sua atividade crucial. Durante a preparação para o voo na Rússia, um dos primeiros profissionais com quem tive contato foi o meu médico, o tenente-coronel da Força Aérea Brasileira (FAB), Luiz Cláudio Luttis. Para realizar um voo espacial, foi necessário fazer um treinamento físico rigoroso para suportar os efeitos da ausência de gravidade e um acompanhamento médico constante para prevenir os impactos do voo e a exposição mais intensa ao sol. Eu compreendo bem os desafios desta missão espacial e posso afirmar o quanto valorizo a profissão médica.

Sabemos que a saúde é um assunto que interfere diretamente na nossa vida e interessa a toda a população. Recentemente, realizamos uma  audiência pública no Senado sobre a temática da qualidade dos médicos brasileiros e fiquei interessado no assunto. Estudo recente do Conselho Federal de Medicina (CFM),  “Demografia Médica 2024”, mostra que o Brasil tem um dos maiores volumes de médicos do mundo, mais que Estados Unidos, China e Japão. São mais de 570 mil médicos, numa proporção de 2,8 médicos por mil habitantes. É um recorde, que, à primeira vista, parece bom, mas pode trazer um cenário de risco, levando em consideração a criação indiscriminada de escolas de medicina e qualidade do ensino. Ainda segundo a pesquisa, de 1990 até hoje, o número de médicos quadruplicou. E o número de faculdades de medicina quintuplicou. Quantidade não significa qualidade. Essa discrepância tem tornado a medicina precária. Isso se evidencia ao analisarmos a distribuição desses médicos pelas regiões do país. Apesar do Brasil ter um número de médicos suficiente, eles não estão nas regiões mais vulneráveis. O CFM diz, ainda que, ao contrário do que o governo atual alega, a abertura da escola de medicina nas regiões remotas do Norte e Nordeste não garante a permanência de todos os formados na região. Quem fica, se ressente da falta de investimentos na área e as condições precárias de emprego.

Outro estudo,  Radiografia das Escolas Médicas, também do CFM, mostra que quase 80% dos 250 municípios que contam com escolas médicas não têm as condições e os critérios essenciais para o funcionamento do curso. São problemas como números insuficientes de leitos de internação, equipes da Saúde da Família e hospitais de ensino.

Paralelo a isso, um recente Decreto  (nº 11.999 de 17/04/2024) trouxe mudanças significativas na Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), impactando diretamente as profissões de medicina e as especializações. Tais mudanças implicam na substituição de resoluções técnicas por políticas de governo e não de Estado. Isso desagradou às classes médicas, levando seus representantes a emitir notas de repúdio em conjunto. Do ponto de vista da residência médica, a Associação Médica Brasileira (AMB) e seus associados criticam a eliminação da exigência de que os membros indicados pelos ministérios para integrar a CNRM sejam médicos. A questão levantada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) é que, com as alterações, o interesse dos ministérios possa prevalecer, superando justificativas técnicas das entidades. Comprometendo, portanto, a autonomia e a imparcialidade essenciais num setor tão importante para a sociedade.

Isso pode ser usado para impedir pleitos pela qualidade da formação dos especialistas em detrimento a vontades políticas. De fato, decisões médicas devem ser tomadas por quem tem competência aprovada. Não se deve conceder o título de especialista a médicos que não cumpriram rigorosamente os requisitos de cada programa oficial de residência médica estabelecidos pelo MEC. As entidades também relataram que as alterações feitas pelo decreto foram realizadas de forma arbitrária e aumentaram significativamente o número de representantes do governo em sua composição.


Concordo que a regulamentação da especialização médica é imprescindível para garantir a qualidade e a excelência nos atendimentos à saúde da população. É óbvio que toda essa problemática não interessa somente aos médicos, mas aos pacientes. Estamos falando da vida de milhões de pessoas que podem ser prejudicadas pela má condução profissional de um médico. Você entraria em um avião onde o piloto estivesse voando pela primeira vez sem ter treinado na prática para isso? Eu também não! Sou piloto de caça e sei a importância de realizar inúmeros treinos práticos e passar por avaliações técnicas e psicológicas periodicamente.

Na audiência pública que fizemos, ouvimos vários especialistas e colhemos as principais queixas do setor. Como resultado, apresentei o Projeto de Lei  (2294/2024), que institui o Exame Nacional de Proficiência em Medicina. A proposta visa garantir que apenas médicos aprovados no exame possam se inscrever nos Conselhos Regionais de Medicina. Tal exame será organizado pelo Conselho Federal de Medicina e aplicado pelos Conselhos Regionais de Medicina. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) já realizam provas de proficiência. O teste avaliará as competências profissionais, éticas e as habilidades clínicas, a fim de garantir que os médicos aprovados estejam bem preparados para exercer a medicina em toda a sua excelência. Dessa forma, prevenimos erros de diagnóstico, de prescrição ou condutas que possam gerar custos sociais elevados e danos irreversíveis aos pacientes. Com o aumento indiscriminado dos cursos de medicina, deixando os cursos vulneráveis às fiscalizações e cobranças de qualidade, o projeto vai impulsionar a capacitação, mantendo um padrão de ensino elevado.

Segundo especialistas ouvidos na audiência pública, o aumento indiscriminado de cursos de medicina que não seguem os padrões necessários pode comprometer a qualidade da formação médica. Essa situação é agravada pela falta de uma estratégia nacional clara e efetiva de avaliação por parte do Ministério da Educação. A expansão descontrolada pode resultar em médicos sem a capacitação adequada, colocando a saúde da população em risco. Este projeto visa fortalecer o rigor na formação médica e manter um padrão de ensino elevado para assegurar a proteção da sociedade.

A responsabilidade do profissional de medicina não se limita a um paciente, mas o dever de contribuir com a saúde pública. Por isso, a busca por aprimoramento e a exigência de padrões técnicos são tão fundamentais. A trajetória do estudante é longa, onde aprendem as fraquezas e a resiliência das pessoas. Cada paciente é uma história.

A medicina é, sem dúvida, uma das profissões mais nobres, mas não só pela carreira, mas pelo propósito que vai além das habilidades técnicas e do conhecimento científico. O médico tem a capacidade de salvar e transformar vidas. Desde o primeiro choro do bebê até a luta pela manutenção da vida, os médicos fazem parte desses momentos importantes. São profissionais que cuidam, aliviam, confortam, tratam e dão esperança num esforço simples de equilibrar a ciência e a humanidade. É um compromisso que exige competência técnica, moral e ética. Mas também clama pela beleza incontestável de tocar a vida de maneira única.

Entrevistei o médico Dr. César Fernandes, Presidente da Associação Médica Brasileira (AMB) e Professor Titular de Ginecologia do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) no Podcast Astropontes.

Acesse:  youtube.com/@astropontes ou acesse o canal do Spotify  @astropontes



** Marcos Pontes é mestre em Engenharia de Sistemas e o primeiro astronauta profissional a representar oficialmente um país do hemisfério sul no espaço. Foi ministro das Comunicações (2019-2020) e da Ciência, Tecnologia e Inovações (2020-2022). Atualmente é senador da República por São Paulo, cargo para o qual foi eleito com mais de 10,7 milhões de votos. Entusiasta do avanço das tecnologias de inteligência artificial, defende o desenvolvimento econômico e social do país por meio do conhecimento, da educação, da ciência, da tecnologia, da inovação e do empreendedorismo.

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