Astronauta Marcos Pontes

Da alergia às superbactérias e vírus: a importância da adaptação e inovação na saúde

Como as iniciativas do Senador Astronauta Marcos Pontes estão moldando a resposta do Brasil a novas ameaças virais, preparando o país para futuras pandemias

Eu nunca tive problema de alergia, até ir para o espaço. No voo de volta da Estação Espacial Internacional (ISS) na Missão Centenário, eu, o Cosmonauta Russo Valeri Tokarev e o Astronauta Americano William McArthur pousamos numa cidade chamada  Arkalyk, na província de Kostanay, no nordeste do Cazaquistão. Haviam 17 helicópteros russos MI-8 com uma área de pouco num raio de quase 80 km de distância. É onde reunimos a equipe para voltar à “Cidade das Estrelas”, o Centro de Treinamento de Cosmonautas Yuri Gagarin (GCTC). E, conforme previsto no cronograma, ficamos no hospital por 15 dias para a realização de exames diários e readaptação à gravidade. Chegamos no final da tarde do dia 08 de abril de 2006. No dia seguinte, eu e meu amigo Valeri tínhamos pontos vermelhos que coçavam pelo corpo. No mesmo dia os pontos desapareceram. Depois do voo, eu desenvolvi uma série de alergias, até ao chá de erva-cidreira. Bebia e meu lábio inchava. Tenho vitiligo e estenose, um estreitamento do canal do ouvido.

O Astronauta Marcos Pontes é retirado da nave Soyuz, logo após a aterrissagem nas proximidades da cidade Arkalyk, Cazaquistão.
Foto: Foto: Ivan Sekretarev / AP
O Astronauta Marcos Pontes é retirado da nave Soyuz, logo após a aterrissagem nas proximidades da cidade Arkalyk, Cazaquistão.



O Astronauta Marcos Pontes acena após ser retirado da nave.
Foto: Foto: Yuri Kochetov/Efe
O Astronauta Marcos Pontes acena após ser retirado da nave.







Foto: Foto: Ivan Sekretarev/AP
O Astronauta Marcos Pontes (Brasil), Valeri Tokarev (Rússia) e Bill McArthur (EUA).






Alergias, Superbactérias e Vírus

Nosso sistema imunológico é delicado. Assim como eu estive em um ambiente diferente de microgravidade e exposto à alta radiação solar e meu organismo apresentou resposta às diferenças, da mesma forma é a Terra, nas grandes cidades com poluição. Diversos fatores podem causar um desequilíbrio no nosso sistema imunológico como a idade, genética, metabolismo, ambiente, anatomia, fisiologia, nutrição e microbiologia. A estimativa é que até 2050, metade da população terá ao menos uma alergia, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Basta um estímulo aparentemente insignificante para desencadear uma resposta imunológica intensa. Rinite, dermatite, asma…. A alergia é um problema de saúde pública que cresce cada vez mais.

Durante a minha gestão como ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (2019-2022), participei de um encontro anual de assuntos ligados à ciência e tecnologia para o futuro e um dos temas tratados no evento foi o poder das superbactérias. Também, segundo a OMS, as superbactérias vão matar mais do que o câncer nos próximos 30 anos pelo uso inapropriado de antibióticos, pela alta resistência das bactérias nos hospitais e pela falta de desenvolvimento de novos medicamentos que não trazem retorno econômico. As superbactérias podem ser um problema mais agressivo que a própria pandemia. A covid-19 tornou pública a necessidade de investimento na área da pesquisa médica para que se tenha conhecimento e não ser pego de surpresa. É uma preocupação dos governos.

Os vírus são mais complicados. Existe uma variedade enorme que não temos conhecimento, além disso, existe uma lista elaborada por uma equipe com a participação de quase 200 cientistas de 57 países sobre quais vírus podem desencadear uma pandemia. A iniciativa é da fabricante de testes clínicos, a Vaccelerate, a fim de desenvolver vacinas, levando em consideração aspectos como transmissibilidade, possibilidade de pegar a infecção, severidade e potencial de evolução. No topo da lista está o vírus da influenza (gripe); seguido da doença X (vírus raros que ainda não afetaram os humanos), SARS-CoV-2; SARS-CoV; Ebola; MERS-CoV; Zika; CCHF (Febre Hemorrágica da Crimeia-Congo); Marburg e Hantavírus.

Vírus Oropouche

Recentemente, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) / OMS emitiu um alerta epidemiológico de alto risco contra o vírus Oropouche (OROV) na América Latina, principalmente na Amazônia, em meio à expansão da doença e primeiros relatos de morte no Brasil. O vírus Oropouche é da família das arboviroses como dengue, zika e chikungunya e tem sintomas como febre, dor de cabeça, dores musculares e articulares, além de tontura, calafrios, náuseas e vômitos. Foram notificados mais de 8 mil casos confirmados, incluindo duas mortes na Região das Américas. Os casos confirmados foram notificados em cinco países da região: Bolívia (356 casos), Brasil ( 7.284 casos, incluindo duas mortes), Colômbia (74 casos), Cuba (74 casos) e Peru ( 290 casos). No Brasil, a maioria dos casos tinha como local provável de infecção os municípios dos estados do norte. A região amazônica, considerada endêmica, concentra 75,7% dos casos notificados no país, com seis estados notificando casos: Amazonas, Rondônia, Acre, Roraima, Pará e Tocantins. Além disso, foi documentada a transmissão autóctone em dez estados não amazônicos, alguns dos quais não haviam notificado casos anteriormente: Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Ceará, Piauí, Maranhão e Mato Grosso. 51,9% dos casos são do sexo masculino, com a maior proporção na faixa etária de 30 a 39 anos.

Historicamente, a doença é transmitida pela picada de um inseto chamado Maruim (Culicoides). Ainda não existem vacinas ou medicamentos antivirais específicos disponíveis para prevenir ou tratar a infecção por OROV. Os países tropicais têm que adotar medidas de prevenção para doenças tropicais. A gente precisa se preparar.

Dengue

A dengue é uma doença tropical muito conhecida pelos brasileiros e o recorde de casos e de mortes não são justificáveis. Chega a ser crueldade a negligência do atual governo federal com a situação da doença no Brasil. O país bateu o recorde histórico no número de mortes que cresceram 4 vezes de 2023 para 2024, são mais de 4 mil mortes esse ano e mais de 6 milhões de casos prováveis de dengue em 2024. Em 2023, eu subi à tribuna do Senado e alertei sobre a situação e critiquei a demora do governo Lula em adquirir as vacinas contra a doença, mesmo com a aprovação da Anvisa. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também alertou o Brasil, duas vezes, no ano passado sobre a epidemia sem precedentes. Eu voltei à tribuna este ano com o mesmo propósito, fizemos uma audiência pública reunindo as melhores e mais eficientes tecnologias existentes no combate à doença. Também apresentei o Projeto de Lei (PL 3169/2023) que permite que agentes públicos entrem em imóveis não habitados para ações de saneamento sem caracterizar crime. Afinal, todas as vidas valem!

Investimento em Pesquisa para o desenvolvimento de Vacinas

Também apresentei uma Proposta de Emenda à Constituição  (PEC 31/2023) que estabelece o incremento gradual do montante aplicado em ciência, tecnologia e inovação até, no mínimo, 2,5% do produto interno bruto. Essa PEC é a defesa de que devemos investir em ciência de forma contínua. Uma epidemia ou pandemia custa caro, mais caro que a prevenção.

Eu tenho orgulho de ter construído o Laboratório de Biossegurança Máxima (NB4), do nível mais alto de segurança, o primeiro e único da América Latina, no Centro Nacional de Pesquisa em Energias e Materiais (CNPEM). A estrutura, que fica ao lado do Sirius (acelerador de partículas) possibilita a manipulação e estudo de vírus de alta periculosidade como o Ebola, por exemplo. Até 2026, o nosso país inaugurará o complexo laboratorial, o Órion, em Campinas (SP).

A gente precisa ficar preparado para outras pandemias, porque elas virão. Precisamos preparar o nosso país para o futuro, precisamos estar preparados para desenvolver de forma ágil e eficaz soluções para proteger a população.

Eu não sou médico, sou Engenheiro Aeronáutico, mas em fevereiro de 2020, eu reuni minha equipe para buscarmos soluções para o que estava vindo. A pandemia foi um incentivo negativo com resultado positivo no sentido de entender que a gente precisava desenvolver vacinas no Brasil. Como ministro de ciência e tecnologia tive a oportunidade de colaborar com nosso país na área da saúde.

Assim, criamos a RedeVírus MCTI, um comitê de especialistas de diversas áreas com o objetivo de integrar iniciativas no combate a viroses emergentes, ainda antes do início da pandemia no Brasil. Resolvemos um problema que existia há séculos e deixamos um legado notável para o nosso país.

Foto: Foto: Neila Rocha (ASCOM/SEAPC/MCTI)
Lançamento da vacina brasileira RNA MCTI CIMATEC HDT em Salvador (BA).


Durante a pandemia, produzimos equipamentos e testes utilizando inteligência artificial, ampliamos nossa rede de laboratórios, desenvolvemos o sequenciamento genético e aprimoramos a eficiência das vacinas. Um grande destaque foi o desenvolvimento de vacinas brasileiras, culminando na criação do Centro Nacional de Vacinas, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e o governo de Minas Gerais. Na época, a RedeVírus MCTI apoiava o desenvolvimento de 15 estratégias de vacinas nacionais contra a Covid, com 3 delas solicitando aprovação para testes na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).  Uma dessas vacinas já recebeu aprovação, sendo a primeira com tecnologia de replicon de RNA (RepRNA) a realizar um estudo clínico no país. Essa tecnologia permite que o RNA se autorreplique dentro das células, garantindo uma resposta imune robusta e duradoura com uma dose menor da vacina. Temos indústrias brasileiras capazes de produzir vacinas, necessitando apenas da coordenação de todo esse sistema.

Também assinamos uma carta de intenção com a Pfizer e a BioNTech, juntamente com a farmacêutica brasileira Eurofarma, para a produção da vacina em laboratório no país. Isso permitiu que as empresas e indústrias brasileiras se preparassem para a produção de vacinas de RNA mensageiro, posicionando-nos como produtores e distribuidores para diversos países, conforme a disposição da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O desenvolvimento de vacinas no Brasil torna o processo logístico menos arriscado e facilita o controle em casos de mutações, aumentando a agilidade de adaptação com tecnologia nacional para outras doenças, como Zika, Chikungunya, entre outras.

Vacina Nasal

Financiamos, através do MCTI, o projeto de pesquisa do spray nasal contra a Covid-19, capaz de bloquear a entrada do vírus no corpo humano. O Professor titular de imunologia clínica e alergia da USP e Diretor do Laboratório de Imunologia do Incor, Jorge Kalil, é o coordenador do programa. Sua equipe desenvolveu um antígeno vacinal que aumenta o nível de anticorpos nas mucosas e melhora a resposta celular nas vias aéreas superiores e nos pulmões, onde a doença é mais severa.

A vacina nasal contra a Covid-19 demonstrou 100% de eficácia em testes com animais, sendo uma das primeiras do tipo a ser testada globalmente. Como o SARS-CoV-2 é um vírus respiratório, foi natural propor uma vacina que pudesse neutralizá-lo nas vias aéreas superiores, onde o vírus inicialmente tenta entrar no corpo humano. Nas mucosas do nariz há uma grande produção de anticorpos, incluindo a imunoglobulina A (IgA), uma proteína essencial para a imunidade.

Para estimular essa imunidade, a formulação da vacina utiliza a proteína Spike (S) como antígeno, de maneira semelhante a outras vacinas já em uso. Quando a pessoa é infectada, o sistema imunológico detecta a proteína S do SARS-CoV-2 e induz a produção de anticorpos IgA, iniciando a ação contra o vírus no local de entrada.

A vacina também contém um adjuvante já aprovado para uso humano, o CpG. Composto por oligonucleotídeos contendo citosina e guanina, o CpG potencializa a eficácia da vacina. Para formar o produto final, o CpG e a proteína S são inseridos em uma partícula lipídica chamada lipossoma.

Segundo o Dr. Kalil, a injeção traria uma resposta sistêmica em relação ao número de mortes no mundo. Mas não iria combater a transmissão do vírus para outro indivíduo. A vacina nasal é capaz de fazer as duas coisas: impedir a infecção e a transmissão. E todo o conhecimento adquirido nessa descoberta abre caminho para para outras soluções para as doenças respiratórias. Temos uma plataforma genuinamente brasileira que pode ser usada para outras doenças.

O risco, numa pandemia, são os vírus que são transmitidos de indivíduos para indivíduos. Os vírus transmitidos pela água ou por mosquitos têm a possibilidade de controle muito maior que os que passam de pessoa para pessoa.

A equipe trabalha desde 2020 no país, mas a pesquisa chegou num ponto que não se faz mais no Brasil. O processo que entre o conhecimento até a criação do produto é muito longo: além da descoberta, criar pequenos lotes de insumos para testes pré-clínicos em animais, a Anvisa precisa acompanhar o processo desde o início para garantir as melhores práticas e não ter que refazer todo o processo e precisa ter conexão com as empresas que tenham capacidade de produção em grande escala. Mas isso, no Brasil, passa pela necessidade de investimentos, de recursos na área, importação de insumos e equipamentos de pesquisa, burocracia e comprovação de todo esse processo.

A Covid-19 ainda não acabou e é fundamental manter as pesquisas e o controle da doença. Cada vez que uma pessoa contrai o vírus, as sequelas podem se tornar mais graves, manifestando-se como cansaço, perda de memória, falta de ar e outras complicações menos conhecidas, como doenças cardiovasculares e hepáticas. Portanto, é essencial erradicar a Covid-19 com uma vacina que elimine a infecção e interrompa sua transmissão.

Enquanto ministro, eu fiz questão de garantir o investimento nessa área tão importante. Trabalhei junto com a comunidade científica no período mais difícil da pandemia e tenho orgulho em dizer que o país está mais preparado, agora!

No entanto, o investimento tem que ser contínuo e valorizado. Volto a ressaltar o valor da PEC 31/2023 que iniciei no Senado, conforme mencionado anteriormente. A proposta está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal do Brasil sem expectativa de votação.

A nossa ciência precisa se transformar em Produtos

Nos países desenvolvidos, uma pesquisa se transforma em valor real, eles têm a sua ciência forte. Eles desenvolvem suas ideias, criam protótipos e fazem a sua comercialização. A parte final da sua produção não é a mais importante.

No Brasil, para a produção de medicamentos, compramos o sal da China ou da Índia, compramos os produtos químicos da Alemanha e montamos no Brasil. A Coronavac, por exemplo, vem pronta da China e o Brasil participa da sua montagem. A maior parte do investimento fica por lá. Na época da pandemia, ouvi muito das autoridades a necessidade de comprar respiradores de fora do país. Eu já acreditava na possibilidade de investir na produção interna desses equipamentos. Qualquer nação, venderia seus respiradores primeiro para seu próprio país. Não podemos ficar na dependência dos equipamentos e produtos internacionais. E nós tivemos dificuldades, na época, de fechar contratos com a China, a maior produtora de respiradores do mundo. Então, investimos em empresas nacionais. O Governo Federal, na época, comprou aparelhos de uma empresa nacional que se juntou a outras nacionais para reforçar a rede pública de saúde nos estados e municípios do Brasil de casos graves da Covid-19. Lembro de visitar uma dessas empresas em 2020.

Foto: Foto: MCTI
Em 2020, como Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, o Astronauta Marcos Pontes visita uma das empresas brasileiras que produz respiradores para o tratamento de pacientes infectados pelo coronavírus, em Sorocaba (SP).


O Brasil tem profissionais de excelência e precisamos valorizá-los. E para transformar as ideias em nota fiscal e emprego é preciso seguir alguns pontos que eu vejo como prioridades:

• Investimento contínuo e bem-feito;

• Educação focada em resultado, educação profissionalizante;

• Inovação;

• Ambiente de negócios favorável, onde as empresas tenho lucro e incentivos fiscais.

Desde a minha inesperada manifestação de alergias após retornar do espaço até a compreensão do impacto das superbactérias e vírus, vejo a vulnerabilidade e a complexidade dos sistemas imunológicos do corpo humano. Estar exposto a ambientes adversos revela a necessidade constante de adaptação e proteção da nossa saúde. Essa imprevisibilidade exige um investimento contínuo e robusto em pesquisas científicas e em inovação. Fiz muitos avanços significativos durante a minha gestão como ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação ao desenvolver vacinas, ampliar a rede de laboratórios e implementar novas tecnologias. Reforço a importância de criarmos uma infraestrutura científica sólida e preparada para enfrentar futuras pandemias.


Mas para que o Brasil se destaque competitivamente no cenário mundial, é essencial transformar o conhecimento em produtos, promovendo uma educação focada em resultados e um ambiente de negócios que incentive a inovação e o investimento contínuo. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 31/2023) que apresentei no Senado é um passo fundamental nesse sentido, garantindo o incremento gradual do investimento em ciência, tecnologia e inovação.

A urgente necessidade de uma rápida resposta e eficiente a novas ameaças virais, a luta contra as doenças tropicais como a dengue e o vírus Oropouche e o investimento em tratamentos inovadores são desafios que temos que enfrentar. Temos enormes possibilidades e oportunidades, temos biodiversidade e cérebros incríveis que podem transformar o Brasil em um líder global em saúde.

Juntos, podemos construir um futuro mais seguro e saudável para todos. Acredite no Brasil. Eu acredito!

** Marcos Pontes é mestre em Engenharia de Sistemas e o primeiro astronauta profissional a representar oficialmente um país do hemisfério sul no espaço. Foi ministro das Comunicações (2019-2020) e da Ciência, Tecnologia e Inovações (2020-2022). Atualmente é senador da República por São Paulo, cargo para o qual foi eleito com mais de 10,7 milhões de votos. Entusiasta do avanço das tecnologias de inteligência artificial, defende o desenvolvimento econômico e social do país por meio do conhecimento, da educação, da ciência, da tecnologia, da inovação e do empreendedorismo.