A lagartixa ou osga, réptil da família Gekkonidae, está entre os mais versáteis de sua classe. Ela é uma das mais bem-sucedidas escaladoras da Natureza, graças à sua capacidade de adesão às mais diversas superfícies, e algumas espécies possuem técnicas de locomoção que lhes permitem até mesmo correr sobre a água, sem depender totalmente da tensão superficial.
Como se não bastasse, uma espécie do sul da Ásia conhecida como lagartixa-de-cauda-chata ( Hemidactylus platyurus ) entrou recentemente para o seleto grupo de animais capazes de planar, e sua técnica de "pouso" inspirou cientistas a criarem um modelo robótico que no futuro, poderá levar a autômatos melhores.
O prof. Dr. Robert J. Full, da Universidade de Berkeley, é uma das maiores autoridades do ramo da Biologia no que tange ao estudo do movimento dos animais, e as lagartixas estão entre os que ele mais pesquisou nas últimas décadas. Em 2000, ele publicou um artigo que explicou como esses répteis se tornaram exímios escaladores, sendo capazes de grudar em quase qualquer coisa, mesmo superfícies completamente lisas, como janelas de vidro, ainda que por pouco tempo.
O Dr. Full confirmou uma hipótese antiga de que as patas das lagartixas, que contam com bilhões de microestruturas queratinosas como pelos, chamados de setae, por serem tão pequenas, acabam sujeitas às ligações de Van der Waals, forças de atração entre moléculas e átomos. Quando o réptil fixa a pata em uma superfície, as moléculas nas patas reagem com as do ambiente e se atraem, provendo a fixação.
Normalmente, as forças de Van der Waals são insignificantes e só demonstram efeitos significativos em nanoestruturas, e por uma feliz coincidência, as patas das lagartixas estão cheias delas.
A capacidade de aderência é apenas um dos fatores que conferiram às lagartixas excelentes capacidades de locomoção. Diferente de outras espécies de lagartos, os Gekkonidae têm 5 dedos em cada pata, o que é um número bem elevado para a classe. Em um estudo mais recente, pesquisadores descobriram que ter vários deles, completamente ajustáveis a superfícies, permitem que a o equilíbrio, a distribuição do peso e do centro de gravidade aumentem a eficiência da adesão e da locomoção.
Superfícies diversas incluem água. Enquanto insetos podem se locomover acima dela contando apenas com a tensão superficial, os répteis do gênero Basiliscus , que incluem o basilisco-comum ou "lagarto Jesus Cristo", usam movimentos vigorosos das patas para criar bolsões de ar, evitando que afundem.
Acontece que algumas espécies de lagartixas, como a lagartixa-de-cauda-chata, também conhecida como lagartixa-doméstica-asiática, uma espécie nativa do sul e sudeste da Ásia, usam as duas técnicas combinadas, se valendo tanto da tensão superficial graças a seus corpos pequenos, quanto dos bolsões de ar. O procedimento é extremamente complicado e embora funcione, não pode ser mantido por muito tempo, pois consome muita energia.
De fato, tanto lagartixas quanto basiliscos recorrem à opção de correr sobre a água apenas quando se sentem ameaçados, e não há outras rotas de fuga.
Não obstante, a mesma espécie de lagartixa vinha sendo mencionada em observações por pesquisadores, de que ela seria capaz de planar, assim como esquilos-voadores e algumas espécies de cobras, sapos e lagartos. Ela vive em florestas e costuma saltar de uma árvore para outra, também para fugir de predadores.
Segundo observadores, a lagartixa-de-cauda-chata usa a cauda para direcionar o pouso, bem como para estabilizar a aderência na árvore-alvo; sem ela, as chances de sucesso caem e o número de quedas se acumula. Pesquisadores conduziram testes em túneis de vento e, de fato, constataram localmente o ato.
O Dr. Full, que também foi co-autor do artigo sobre a lagartixa correndo sobre a água, se reuniu a um time de pesquisadores com os quais já trabalho antes em publicações, como Ardian Jusufi e Rob Siddall, do Instituto Max Planck, e constataram que os espécimes batem primeiro a cabeça nos troncos, e depois envergam o corpo para trás, quase a 100 graus, contando com a cauda e as patas traseiras para estabilizar o "impacto controlado", o que foi chamado de "resposta anti-queda" (Fall Arresting Response, ou FAR).
Baseados nas observações, os pesquisadores desenvolveram uma versão robótica da lagartixa, na verdade um modelo com velcro nas patas traseiras, uma cauda destacável e um torso flexível, a fim de testar as características mecânicas da técnica de pouso do animal, e não estressar demais os bichinhos.
Os testes foram conduzidos com o robô tendo a cauda acoplada e sem ela. No segundo caso, assim como observado nos espécimes vivos, as chances de sucesso despencam; o apêndice é responsável por manter o corpo estável e garantir que as patas traseiras permaneçam fixas à superfície, visto que as dianteiras perdem totalmente a utilidade nesse cenário.
Basicamente, quanto maior a cauda, menor a força exercida contra o corpo que o jogará para trás.
Sim, tem vídeo:
De acordo com Jusufi, este estudo será útil no desenvolvimento de robôs inspirados em modelos biológicos, quando da movimentação em terrenos diversos e tornando-os mais simples de controlar, além de mais confiáveis.
Referências bibliográficas
SIDALL, R., BYRNES, G., FULL, R.J., JUSUFI, A . Tails stabilize landing of gliding geckos crashing head-first into tree trunks. Communications Biology , Edição 4, Artigo 1.020 (2021), 2 de setembro de 2021. Disponível em https://doi.org/10.1038/s42003-021-02378-6 .
Fonte: Ars Technica
Cientistas criam lagartixa-robô para estudar como elas planam