O Facebook suspendeu as contas pessoais de pesquisadores que criaram um plugin para analisar propagandas políticas na rede social. A companhia alegou que a medida era para cumprir um decreto da Comissão Federal do Comércio (FTC) dos EUA. Só que a agência disse que não é bem assim.
O jornal The Washington Post obteve acesso a uma carta enviada por Samuel Levine, diretor em exercício da Agência de Proteção ao Consumidor dos EUA, a Mark Zuckerberg, CEO do Facebook. Nela, a autoridade diz que as alegações da empresa de mídia social são "imprecisas".
"Se você tivesse honrado seu compromisso de entrar em contato conosco antecipadamente, nós teríamos apontado que o decreto de consentimento não impede que o Facebook crie exceções para pesquisas de boa fé feitas para o interesse público", escreveu Levine.
O decreto em questão exigia que a rede social implementasse um programa abrangente de privacidade. Foi por esse programa que o Facebook derrubou o trabalho, não pela medida do FTC, admite Joe Osborne, porta-voz da companhia, segundo informações da Wired .
O diretor da FTC também menciona esse recuo. "Ainda que eu aprecie o fato de o Facebook ter corrigido a informação, estou desapontado com a maneira como sua companhia conduziu essa questão", escreve Levine.
Decreto veio após escândalo no Facebook
Como lembra a Wired , tal decreto foi imposto pela FTC em 2019 e impunha uma multa de US$ 5 bilhões em caso de violações de privacidade. Essa medida foi tomada logo depois do escândalo da Cambridge Analytica, quando dados de milhões de usuários da rede social foram usados para microdirecionar anúncios políticos.
A revista também analisa que o decreto em si não obrigava o Facebook a tomar nenhuma medida, já que a própria ferramenta dos acadêmicos obtinha o consentimento dos voluntários.
Mas mesmo o enquadramento dado pela companhia para a extensão é impreciso. Apesar de dizer que o Ad Observer fazia raspagem de dados, especialistas dizem que a técnica usada não era exatamente essa.
Bennet Cyphers, especialista da Electronic Frontier Foundation, explica que o termo, apesar de não ter uma definição precisa, não se encaixa na maneira como o plugin funciona – o que ele faz é basicamente registrar as interações feitas na rede social por um voluntário (que deu consentimento e instalou a extensão em seu navegador) e, assim, coletar dados sobre propaganda política.
Outra questão é que o plugin poderia pegar informações de usuários que não concordaram com o compartilhamento de suas informações – pessoas que curtiram anúncios políticos que foram registrados pela extensão, por exemplo.
Mas, de acordo com uma revisão do código feita pela Mozilla, a ferramenta "não coleta informações ou posts pessoas sobre seus amigos" nem "compila perfis de usuário nos seus servidores". Só são registradas mesmo as informações dos anúncios.
Aí entra outra questão, que talvez seja a preocupação real do Facebook: a proteção de privacidade dos anunciantes em si. A empresa pode estar querendo proteger quem paga os anúncios políticos.
Plugin continua funcionando
Um ponto curioso de toda essa questão é que o plugin Ad Observer, em si, continua funcionando, como nota o Verge . A rede social baniu apenas as páginas pessoais dos criadores da ferramenta e as páginas que faziam propaganda do projeto Ad Observatory (o nome é parecido, mas diferente), que usava dados coletados pelos voluntários que instalavam a extensão e, a partir dessas informações, fazia estudos e análises.
Dessa forma, parece que é muito mais uma retaliação à pesquisa do que uma proteção de privacidade. Com a decisão da empresa, os acadêmicos e a iniciativa terão mais dificuldade de começar um novo trabalho desse tipo.
"A briga é com o Ad Observer, mas eles estão cortando o Ad Observatory", diz Laura Edelson, pesquisadora da New York University e uma das criadoras da extensão, à Wired . "Com certeza o Facebook poderia ter tomado medidas para parar ou limitar o Ad Observer. Mas eles não fizeram nada disso. O que eles fizeram foi parar nossos trabalhos que não têm relação com essa questão".