3 princípios são necessários para transferir mente humana ao computador
Augusto Dala Costa
3 princípios são necessários para transferir mente humana ao computador

Com o avanço da inteligência artificial e da capacidade computacional das máquinas, uma questão filosófica vem ficando cada vez mais próxima e seriamente debatida — poderá o ser humano fazer upload da própria mente para um computador ? Para isso, é claro, serão necessários avanços tecnológicos vertiginosos, já que simular os neurônios e todas as suas conexões exige um processamento monstruosamente grande. Tão importante quanto, há questões práticas e teóricas envolvendo a filosofia do ser.

O campo intelectual envolvido com a transferência de uma pessoa do corpo biológico para um hardware sintético é chamado de transhumanismo, com apoiadores sérios, incluindo especialistas da computação, neurociência e filosofia.

Para eles, essa transição é benéfica, permitindo aos humanos viver o quanto quiserem e serem até mais eficientes com o cérebro simulado . Para esse futuro otimista ser possível, no entanto, são necessárias três suposições:

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  • Suposição tecnológica — o pressuposto de que a tecnologia realmente irá se desenvolver o suficiente, nas próximas décadas, para que consigamos enviar a mente humana para o computador;
  • Suposição da mente artificial — o pressuposto de que um cérebro simulado pela máquina conseguiria gerar uma mente real e pensante;
  • Suposição da sobrevivência — o pressuposto de que a pessoa criada pelo processo de upload da mente realmente é você, e não uma cópia, permitindo a continuação da vida.

A partir disso, precisamos discutir o quão plausível é cada um desses aspectos no mundo atual, e toda a filosofia em torno deles.

A suposição tecnológica

Simular o cérebro humano não é tarefa fácil, já que o órgão é a estrutura mais complexa que conhecemos no universo. São 86 bilhões de neurônios e mais 85 bilhões de células não-neuronais , com uma estimativa de um milhão de bilhões de conexões neurais. Nossa galáxia, a Via Láctea, tem “apenas” 200 bilhões estrelas, por exemplo.

Atualmente, cientistas estão criando diagramas conectivos em 3D, chamados conectomas, que simulam os cérebros de organismos simples. O mais complexo já criado foi o de uma larva de mosca-da-fruta, que tem cerca de 3.000 neurônios e 500.000 conexões neurais. Nos próximos anos, espera-se que consigamos replicar o cérebro de um camundongo de laboratório.

Isso quer dizer que estamos longe demais ? Não necessariamente. A tecnologia escalona de maneira rápida, como fica claro com exemplos como o do Projeto Genoma Humano. Há 20 anos, foram necessários anos de pesquisa e mais de um bilhão de reais em investimento para mapear o primeiro genoma humano.

Atualmente, os laboratórios mais rápidos fazem o processo em questão de horas e com apenas R$ 500. Simular um cérebro estático pode estar perto, acontecendo nas próximas gerações, mas reproduzir a conexão entre cada neurônio é mais difícil — e não há previsão para isso.

A suposição da mente artificial

Entender a conexão entre mente e corpo é a chave dessa questão. A maioria dos filósofos acadêmicos crê, atualmente, que a mente é algo físico, sendo basicamente o nosso cérebro. Se um cérebro é simulado por computador, então, será que geraria uma mente real? Muitos cientistas cognitivos acreditam que o verdadeiro responsável pela criação da mente consciente é a estrutura neural complexa do cérebro — e não sua composição biológica, que é basicamente gordura e água.

Na hora de replicar a mente no computador, o cérebro simulado teria de imitar, também, a estrutura do órgão, copiando neurônios e suas conexões com peças artificiais. Os sistemas de inteligência artificial atuais trazem algumas evidências, mesmo que inconclusivas, sobre a abordagem estrutural do cérebro. As redes neurais artificiais copiam alguns dos princípios básicos do órgão, podendo realizar tarefas complicadas para nós.

A suposição da sobrevivência

A questão mais complexa é, provavelmente, a da filosofia do ser. Uma simulação de uma mente consciente, caso possível, seria você de verdade após o upload? Ou um clone mental? Filósofos usam alguns exemplos práticos para pensar sobre o assunto. Por exemplo, a pessoa que se deita à noite e a que acorda pela manhã na mesma cama é a mesma pessoa? O campo biológico da filosofia acredita que sim, já que se trata do mesmo organismo, conectado por um processo biológico vital único.

Já o campo mental, em geral mais apoiado, crê que a existência da mente faça toda a diferença. A pessoa matutina e noturna são a mesma porque compartilham de uma vida mental, já que você se lembra da noite anterior, tem as mesmas crenças, esperanças, traços de caráter e muito mais. Na prática, imagine que alguém coloca sua mente no corpo de outra pessoa: para o campo biológico, a pessoa resultante é o dono do antigo corpo, e, para o mental, é o dono da antiga mente, ou você.

Se o campo biológico estiver certo, o upload da mente não funcionaria, já que o ponto é abandonar o corpo biológico e assumir uma existência computadorizada. Se o campo da mente estiver certo, então a mente transferida poderia ser, de fato, uma continuação da vida mental anterior, e teríamos uma chance de prolongar a vida artificialmente dessa maneira.

Esbarramos em outro problema, no entanto, que é quando o corpo biológico sobrevive ao processo de transferência da mente. Qual consciência das duas divididas entre o biológico e o artificial é realmente você? Não há como ambas serem idênticas e só uma pode ser você, e, intuitivamente, imaginamos que a forma biológica é que continua sendo você. Nesse caso, fica difícil acreditar que a mente computadorizada poderia ser você, mesmo quando o corpo para de existir, e a mente transferida seria apenas uma cópia.

Para essa questão, a resposta só virá quando finalmente conseguirmos testar a transferência cientificamente, e as duas últimas suposições só serão esclarecidas nesse caso. O upload da mente será um salto de fé — e cheio de questões éticas a serem discutidas até lá.

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