Crítica Grande Sertão | Um filme que merecia um palco de teatro
Diandra Guedes
Crítica Grande Sertão | Um filme que merecia um palco de teatro

Adaptar clássicos da literatura é, talvez, um dos maiores desafios que um diretor e roteirista pode tomar para si. A obra já nasce pronta, e o público não poupa dedos para apontar os defeitos dessa ou daquela versão. O experiente Guel Arraes já tinha vivido isso com O Auto da Compadecida (2000), filme que se tornou um marco no cinema nacional. Agora, ele se arrisca com Grande Sertão , longa que adapta o romance do mineiro João Guimarães Rosa para as telonas. De tudo o que se pode falar da obra, o mais importante é que essa adaptação merecia um palco de teatro para não precisar se espremer em uma tela de cinema.

Logo que o filme começa, já fica claro que a linguagem usada é teatral demais para a Sétima Arte, com um texto que se mantém fiel à forma como Rosa escreve, focando na prosa quase que rimada. Os atores também interpretam como se estivessem em um palco, falando mais alto do que o natural e impostando a voz. A prova mais nítida disso é a interpretação de Luis Miranda como o coronel Zé Bebelo. Ótimo na comédia e no drama, ele não faz feio em cena, mas fala sempre mais alto do que deveria, assim como fez na peça de comédia Irma Vap . No teatro vai bem, na telona não funciona.

Mas esse não é um erro só seu. Todos ali estão da mesma maneira, abusando das caras e bocas, fazendo gestos maiores do que o cinema suporta, e falando sempre acima do tom. É como se Guel tivesse dirigido uma excelente peça dramática e, de repente, resolvesse filmar tudo. É ótimo, espetacular, mas não cabe em um filme. Parece over para a telona.

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Focando no enredo, a história de Riobaldo e Diadorim ganha ares urbanos, provando que o sertão de verdade é onde a sociedade é abandonada pelo poder público. Na trama, Caio Blat vive o protagonista em diferentes fases e, para isso, aparece ora com os cabelos curtos, ora com barba e mechas longas.

Ele é um professor universitário que cresceu no tal sertão e que, após presenciar um tiroteio entre a polícia e a facção, salva Diadorim, um menino que ele conheceu ainda na infância e por quem se encantou. A partir de então, decide entrar para o bando e lutar contra as injustiças do sistema.

Com o passar do tempo, percebe que o sentimento que nutre pelo tal rapaz é mais do que amizade, mas isso faz com que ele se martirize pensando estar amando um homem. Com o desenrolar da trama, Riobaldo descobre que Diadorim é, na verdade, uma mulher que se disfarçou para poder lutar junto ao pai.

Como o desfecho já era conhecido do público, coube a Guel criar uma narrativa que impactasse de algum modo a audiência, e pode-se dizer que ele conseguiu. A cena em que Riobaldo descobre que seu amado é na verdade uma bela mulher — vivida por Luisa Arraes — emociona bastante, e é uma prova de que a nudez em cena pode ser linda e delicada se usada da maneira certa.

Personagens bem construídos marcam Grande Sertão

Se, por um lado, o tom de voz dos atores parece realmente exagerado para o cinema, por outro não dá para negar que os personagens foram bem construídos. Caio Blat entrega a melhor performance da sua carreira e consegue diferenciar com excelência o Riobaldo jovem e guerrilheiro, do narrador que conta suas dores ao público quebrando a quarta parede.

Luis Miranda é um bom Zé Bebelo, homem justo que sabe reconhecer suas derrotas, e Rodrigo Lombardi também se sai bem como Joca Ramiro, o líder do bando que comanda todos com mãos de justiça.

É Eduardo Sterblitch, no entanto, quem se destaca como Hermógenes, o bandido que tem verdadeira aversão à paz. Provando mais uma vez que é um camaleão em cena, o ator entrega uma atuação irretocável.

É nítido seu crescimento profissional desde que saiu do humorístico Pânico na TV! e apostou na carreira de ator. Ele consegue navegar tanto pelo drama quanto pelo cômico sem maiores dificuldades, e apesar de tanto Sérgio (de Os Outros ) quanto Hermógenes serem vilões, eles são completamente diferentes.

Quem também merece elogios são as equipes de caracterização e cenografia, que conseguiram construir uma realidade distópica a la 3% , série da Netflix , e vestir os personagens com roupas que trazem alguma identificação com o passado. Zé Bebelo, por exemplo, usa uma capa preta que remete a Hitler e faz saudações que lembram aquelas nazistas.

Por fim, pode-se dizer que Grande Sertão é uma adaptação que merece aplausos, mas que só seria ovacionada se estivesse no lugar certo; no teatro. Ainda assim, é uma releitura que atualiza a obra e dialoga com os dilemas existentes na atualidade. Certamente vale o ingresso, mas também merece críticas.

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