A mudança dos termos de uso para coletar dados dos usuários no WhatsApp ainda gera polêmicas. O aplicativo cedeu às pressões de autoridades europeias e suspendeu o compartilhamento de dados com o Facebook. No Brasil, as discussões sobre a alteração também existem, já que o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) impõe limitações sobre o armazenamento de informações dos usuários.

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A lei impede o fornecimento de dados pessoais sem o "consentimento livre, expresso e informado" dos usuários, mas o WhatsApp vem sendo questionado pela forma como implementou as mudanças. O pesquisador em Telecomunicações do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Zanatta, acredita que faltou clareza na mudança dos termos do aplicativo. "As pessoas não tinham clareza sobre o que estava sendo modificado nos termos de uso", lembra.

WhatsApp afirmou que mudança era uma tentativa de melhorar recursos e permitir comunicação entre usuários e empresas
Pixabay/Creative Commons
WhatsApp afirmou que mudança era uma tentativa de melhorar recursos e permitir comunicação entre usuários e empresas

De acordo com um estudo do Idec, apenas 2,8% dos entrevistados afirmaram que a mudança era justa. A maioria dos usuários disse que os novos termos eram confusos ou injustos, já que o aplicativo não especifica o que é coletado, nem dá a opção de escolher o que compartilhar com o Facebook . Segundo Zanatta, as pessoas "se mostraram contrárias porque diziam que o WhatsApp tinha uma promessa de coletar pouquíssimos dados e que essa promessa tinha sido quebrada".

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Ao anunciar os novos termos, o aplicativo afirmou que a mudança era uma tentativa de aprimorar recursos, como as chamadas de voz, e permitir a comunicação entre usuários e empresas. "Nós iremos compartilhar alguns dos dados de sua conta com o Facebook e com as empresas da família do Facebook", disse o aplicativo na ocasião. "Dados como o número de telefone que você utilizou para verificar sua conta ao se registrar ao WhatsApp e também o horário da última vez que você utilizou nossos serviços".

Para os especialistas, a falta de explicações mais detalhadas sobre os dados que seriam coletados é um dos principais problemas. "Os novos termos davam permissão ao WhatsApp coletar, não só os dados da agenda, mas outros tipos de dados", lembra Zanatta. Com o novo regulamento, o aplicativo passou a registrar os metadados, ou seja, informações sobre a sua atividade, como as pessoas que estão no seu grupo, o aparelho utilizado e o local de onde você mandou a mensagem.

As informações poderão ser usadas para fazer diversas afirmações sobre os usuários e vender o resultado para empresas, por exemplo. No início do ano, o aplicativo anunciou que deixaria de cobrar a taxa de US$ 1 ao ano, mas que permaneceria sem a exibição de anúncios. O financiamento do serviço aconteceria por meio do desenvolvimento de ferramentas para organizações se comunicarem com seus clientes.

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"O WhatsApp foi criado com a promessa de um modelo de negócios diferente", diz o mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação (GPoPAI-USP), Bruno Bioni. "Ele não coletaria dados para oferecer conteúdo ou publicidade comportamental".

Tela apresentada pelo WhatsApp durante a transição dos termos de uso é outro problema apresentado por especialistas
Reprodução
Tela apresentada pelo WhatsApp durante a transição dos termos de uso é outro problema apresentado por especialistas

Erros na Interface

Outro problema apontado por especialistas é a interface apresentada pelo aplicativo durante a transição dos termos de uso. Segundo Bioni, a forma como os dados foram apresentados poderia informar melhor o usuário. "A questão que se levanta é se essa adjetivação [de consentimento] foi cumprida. O que significa um consentimento expresso?", diz.

Segundo ele, só há consentimento quando o usuário apresenta uma ação afirmativa, ou seja, clica no botão de "Aceitar" depois de ler as alterações dos termos de uso. Isso não teria acontecido com os usuários do WhatsApp, pois o programa já oferecia como padrão a escolha por concordar com a mudança.

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De acordo com Bioni, o aplicativo definiu o formato para evitar que muitos usuários recusassem a coleta de informações. "Provavelmente, você teria menos compartilhamento de dados", especula Bioni. Outro ponto levantado pelo pesquisador é a ausência de uma opção para cancelar o compartilhamento de dados a qualquer momento. "Não deveria haver a limitação de um prazo, nesse caso de 30 dias, para os usuários fazerem o opt-out, ou seja, barrarem o compartilhamento das suas informações. Esse controle deveria ser contínuo, assegurado a qualquer tempo".

Como evitar a coleta de dados

Os usuários que se sentirem lesados pela coleta de informações podem entrar com ações relacionadas à mudança por meio de ações individuais ou coletivas, com a ajuda de entidades de defesa ao consumidor, que facilitam as demandas na Justiça. Segundo Zanatta, o Idec tomou algumas ações para reverter a medida adotada pelo WhatsApp.

Entre elas, o pedido de criação de um processo no Ministério da Justiça para investigar as mudanças dos termos de uso e uma medida cautelar proibindo o tratamento de dados com base no Código de Defesa do Consumidor. O instituto também sugeriu a formação de um grupo de trabalho com especialistas e representantes do ministério para analisar o tratamento de dados no aplicativo.

Para o pesquisador, as autoridades brasileiras perderam a oportunidade de pedir explicações logo após o aplicativo anunciar a mudança nos termos de uso. "Ficou evidente a ilegalidade do modo como os termos de uso foram atualizados. Pano de fundo legal, existia", disse. "O que não houve foi uma ação mais enérgica. Me parece que a proteção de dados pessoais não é uma prioridade".

O projeto de lei 5.276/2016 em tramitação na Câmara dos Deputados visa proibir o compartilhamento de dados pessoais em serviços como o WhatsApp. "O Marco Civil não é uma lei geral de proteção de dados pessoais", explica Bioni, que defende a aprovação de um projeto de lei que trate especificamente dos princípios para a proteção das informações.

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