A tecnologia está cada vez mais presente na área da saúde
Unsplash/National Cancer Institute
A tecnologia está cada vez mais presente na área da saúde


Do smartwatch que registra os batimentos cardíacos até um complexo algoritmo capaz de diagnosticar pacientes através da análise de exames, a tecnologia está cada vez mais presente no setor da saúde. Mais do que só tecnologia, a inteligência artificial vem sendo cada vez mais discutida e implementada na área, trazendo ganhos significativos.

Hoje, software são capazes de diagnosticar pacientes em tempo recorde e com uma precisão maior do que a alcançada por médicos humanos - o que não significa que as máquinas estão substituindo os homens. Atualmente, inteligência artificial e inteligência natural andam de mãos dadas quando o assunto é saúde

Marcus Figueredo, doutor em informática e CEO da Hi Technologies, empresa que usa inteligência artificial para acelerar o resultado de exames, conta que a tecnologia ajuda, e muito, na hora de definir um diagnóstico, mas quem segue batendo o martelo ainda é um médico. “Hoje, a gente tem ferramentas bem interessantes que estão começando a surgir que guiam o médico no processo diferencial. Começa a ter um suporte à decisão de uma forma mais clara”, explica. 

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O especialista afirma que há vantagens e desvantagens dos algoritmos em relação aos humanos. Por um lado, as máquinas têm uma capacidade de processamento muito maior e não contam com o fator cansaço, o que faz com que os erros de diagnóstico sejam menores. Por outro, o humano tem uma sutileza na condução do diagnóstico que algoritmo nenhum consegue ter. 

“Em uma situação hipotética, se você está fazendo um diagnóstico em um paciente e uma opção é ele ter uma gripe e outra é ele ter câncer, que são diagnósticos que têm impactos totalmente diferentes, a máquina não tem uma sutileza de falar: eu vou testar gripe antes, porque falar que o paciente tem possibilidade de câncer não é bom”, exemplifica. 

Esse é mais um motivo pelo qual é essencial que as máquinas estejam em contato com os médicos, e não diretamente com os pacientes. “[A inteligência artificial] acaba potencializando a capacidade humana. Você não perde a sutileza humana mas, ao mesmo tempo, você tem a vantagem que a máquina não cansa”, afirma Marcus. 

As máquinas vão substituir os médicos?

O especialista afirma que não vê as máquinas substituindo os profissionais de saúde, nem agora e nem no futuro . Chao Lung Wen, médico professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e especialista em telemedicina , afirma, inclusive, que essa não é a meta das aplicações de inteligência artificial na área da saúde. 

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“A inteligência artificial será um meio pelo qual o médico poderá cuidar de uma pessoa de forma mais precisa, preditiva e de acompanhamento contínuo. Essa é a meta. E não a meta da substituição”, afirma. 

Hoje, o carro-chefe da inteligência artificial aplicada à saúde são os diagnósticos automatizados. Mas a tecnologia também vem sendo aplicada em outros momentos, como é o caso do autocuidado. O uso de wearables e assistentes de voz para potencializar a manutenção a saúde, por exemplo, vem ganhando bastante força nos últimos anos. 

Chao acredita que o futuro do setor da saúde passa pela junção desse tipo de autocuidado subsidiado pela inteligência artificial com a telemedicina , que usa tecnologias para fornecer informação e atenção médica a pacientes distantes. “Wearables, inteligência artificial e telemedicina poderão criar uma cadeia de gestão de saúde de qualidade”, afirma. "Com toda essa história do coronavírus , se a telemedicina de telemonitoramento domiciliar estivesse totalmente implantada como uma estratégia e um método no país, nós teríamos um recurso eficiente", exemplifica o professor.

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Para o professor, o aumento no uso de máquinas na área da saúde vai fazer com que os médicos deixem de realizar determinadas funções mais básicas, conseguindo atender mais pessoas. “Minha percepção é de que a inteligência artificial vai elevar o nível dos médicos. E, em muitas das funções rotineiras, a IA vai ser um instrumento importante para a população em estabelecimento do autocuidado de qualidade, que pode ser supervisionado pelo médico”, resume. 

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“Hoje, um dos grandes problemas que a gente tem no Brasil e no mundo é a quantidade de profissionais da saúde versus o tamanho da população. A gente tem que criar formas de potencializar o profissional, criar formas que um mesmo médico que antes podia atender um paciente por vez, consiga atender 10”, opina Marcus. 

A questão é mais ética e menos tecnológica

Se a inteligência artificial é tão importante para potencializar os cuidados com a saúde, o que falta para ela estar mais difundida? Para Marcus, a resposta não está nas limitações tecnológicas, mas sim nas questões éticas. “Tem todo um contexto, não é só você ter um software que é melhor que o homem. Quando você vai ao médico, você está colocando sua vida sob responsabilidade de outra pessoa. O software não tem esse comprometimento. Então é quase uma questão filosófica, ética. É muito mais isso, em alguns campos, do que efetivamente uma questão prática”, esclarece.

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Outra questão que permeia o campo da inteligência artificial como um todo é o uso de dados. Quando o assunto é saúde, a discussão se torna ainda mais sensível. Para atingir feitos como o rápido e preciso diagnóstico, as máquinas precisam de uma grande base de dados para aprender e serem treinadas. Dentre essas informações, estão exames e prontuários médicos, por exemplo. 

E não é raro ouvirmos falar de vazamentos de dados desse tipo no Brasil e no mundo. “A questão dos dados está ganhando cada vez mais relevância, porque é uma coisa que por um tempo ninguém ligou, e agora todo mundo começa a sentir as consequências de não se cuidar dos dados. Quando a gente fala disso em saúde, tudo ganha uma outra escala”, afirma Marcus. 

O que a LGPD diz sobre a saúde?

De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) , que entra em vigor em agosto deste ano, informações relacionadas à saúde dos cidadãos são consideradas dados pessoais sensíveis , o que exige um maior cuidado por parte dos coletores e tratadores de informações. O uso compartilhado desse tipo de informação com objetivo de obter vantagem econômica, por exemplo, é vedado pela lei. 

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Uma das práticas de obtenção de vantagens econômica a partir de dados relacionados à saúde é na seleção de quem pode contratar determinados planos de saúde. Com a entrada em vigor da LGPD , essa ação passa a ser proibida para as operadoras de planos privados.

Outro conceito trazido pela LGPD e já bastante difundido no setor da saúde é o de anonimização dos dados. Uma informação anonimizada é aquela que não permite que o cidadão referente a ela seja identificado. Marcus e Chao acreditam que esse seja o caminho para que os dados possam continuar sendo utilizados para a evolução da ciência e tecnologia, mas respeitando a privacidade das pessoas. 

“Basicamente, se trabalha com os dados de forma anônima, você não sabe quem são os pacientes, você só sabe os resultados. A privacidade é super importante mas, ao mesmo tempo, muito dos benefícios que a gente tem na sociedade atual vêm dessa análise de dados, então é muito sobre a gente encontrar os limites éticos de como usar isso”, explica Marcus. 

Dados são de propriedade dos cidadãos

Não apenas na área da saúde, a LGPD vem para dar mais poder aos cidadãos na questão da privacidade de dados como um todo. Os dados pessoas de cada pessoa pertencem somente a ela e, para que eles sejam compartilhados com outrem, é preciso consentimento.

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Quando o assunto é saúde, Chao explica que esse consentimento passa por uma questão um pouco mais delicada, já que determinadas situações podem levar a decisões não tão claras. “As informações têm que ser obtidas com o consentimento livre e esclarecido. Muita gente acha que vai chegar na família, no ato da internação, e pedir para assinar um termo de consentimento. Mas isso não é livre. Por livre, tem que ser quando você não precisa de nada da área da saúde, você está bem, e você livremente diz: eu aceito”, exemplifica. 

Olhando para frente, o professor consegue enxergar um cenário no qual as pessoas farão uma espécie de doação de dados . “É muito provável que nos próximos três ou quatro anos entremos no conceito da doação de dados pessoais para um fim social. Os hospitais universitários, acadêmicos, começarão a pedir para as pessoas que elas aceitem doar esses dados para um bem maior, podendo não doar. É o mesmo que você fazer uma campanha de doação de sangue”, explica. 

A LGPD já prevê o uso de dados de saúde para fins sociais , incentivando a pesquisa na área, desde que os devidos cuidados com as informações sensíveis sejam tomados. Ao contrário de uma proibição, a nova lei irá regulamentar um uso ético das informações, dando material necessário para o desenvolvimento e aprimoramento de novas tecnologias. “Eu acho que a LGPD vai incentivar isso e, sim, nós vamos trabalhar em uma regulamentação. Os dados envolvidos nisso terão que ser de uso social, com a redução da ideia da mercantilização dos dados pessoais”, resume Chao.

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