A Coreia do Sul se tornou o primeiro país a forçar a Apple e o Google a abrir suas lojas de aplicativos para outros sistemas de pagamento, ameaçando as lucrativas comissões que essas empresas recebem de desenvolvedores de apps nas vendas digitais.
Um projeto de lei, aprovado nesta terça-feira (31) pela Assembleia Nacional da Coreia do Sul, proibirá os donos de lojas de aplicativos a forçar os desenvolvedores a usarem seus sistemas de pagamento on-line. Os usuários poderão escolher o meio de pagamento que preferirem.
O projeto vai a sanção do presidente Moon Jae-in, possivelmente no mês que vem, e vem sendo considerado um marco por enfrentar o domínio das duas gigantes de tecnologia no segmento de venda de apps.
A lei altera a Lei de Negócios de Telecomunicações da Coreia do Sul e também proíbe as empresas
de atrasar injustificadamente a aprovação de aplicativos ou excluí-los do mercado - disposições destinadas a evitar retaliações contra os desenvolvedores.
A mudança é um baque para a Apple que, na semana passada, fechou um acordo judicial nos Estados Unidos justamente para alterar regras da App Store e permitir que desenvolvedores deixem de pagar comissão à gigante americana pela venda de apps feitas na loja da Apple.
As empresas que não cumprirem a nova lei, quando ela entrar em vigor, podem ser multadas em até 3% de sua receita na Coreia do Sul pela Comissão de Comunicações da Coreia, o regulador de mídia do país.
A mudança abre a porta para companhias como a Epic Games, fabricante do jogo Fortnite, para fazer transações diretamente com os clientes, ignorando os encargos do proprietário da plataforma.
A Epic levou os proprietários de iOS e Android a tribunais em várias jurisdições, argumentando que suas taxas são injustas.
Aperto regulatório
Tanto a Apple quanto a Alphabet, controladora do Google, enfrentam uma série de medidas legislativas nos Estados Unidos, que visam diminuir o controle exercido em sua lojas virtuais e buscam um freio em seu poder de ditar termos nos mercados de aplicativos.
Ambas as empresas cobram uma taxa de até 30% nas compras feitas em suas lojas e excluem meios de pagamento alternativos, argumentando que isso protege os usuários de fraude e invasão de privacidade.
"Isso pode fomentar ações semelhantes em outros lugares. O clima político predominante tornou-se hostil à enorme quantidade de poder concentrada nas mãos dos gigantes da tecnologia", disse o analista da Omdia Guillermo Escofet, que é especialista em plataformas de consumo digital.
Os parlamentares coreanos estão se antecipando aos planos do Google de introduzir uma taxa de comissão de 30% em outubro, revertendo uma isenção de anos para o país.
O anúncio da empresa no ano passado de que tornaria seu sistema de pagamento obrigatório para aplicativos que não sejam de jogos é amplamente visto como o gatilho para a nova legislação no país, apelidada localmente de lei anti-Google.
As receitas geradas pelas lojas são fundamentais para o crescimento dos lucros da Apple e do Google. A App Store tem ganhos anuais de US$ 20 bilhões, de acordo com a Sensor Tower. O Android, do Google, também está crescendo em número de usuários.
Reação das 'big techs'
O Google disse que seu modelo de pagamento ajuda a manter os custos do dispositivo baixos para os consumidores e permite que plataformas e desenvolvedores tenham sucesso financeiro.
"O Google Play oferece muito mais do que processamento de pagamento, e nossa taxa de serviço ajuda a manter o Android gratuito, dando aos desenvolvedores as ferramentas e a plataforma global para acessar bilhões de consumidores em todo o mundo", disse um porta-voz do Google.
A Apple enfatizou que a decisão irá corroer as proteções de segurança para os usuários, levando a um declínio na confiança nas compras da App Store e, finalmente, menos oportunidades de ganho para os desenvolvedores na Coreia.
"A Lei de Negócios de Telecomunicações colocará os usuários que compram produtos digitais de outras fontes em risco de fraude, prejudicará suas proteções de privacidade, dificultará o gerenciamento de suas compras", disse um porta-voz da Apple.
O confronto atinge o papel fundamental desempenhado não apenas pela Apple e pelo Google, mas também pela Amazon e pelo Facebook como os novos guardiões da economia digital. Ao longo de uma década, todas as quatro empresas construíram vastos mercados on-line nos quais seus rivais fazem negócios.
A Coreia continua sendo uma das poucas arenas onde empresas locais como Naver e Kakao dominam, embora estejam sob ameaça: o YouTube neste ano se tornou o principal serviço de vídeo do país, por exemplo, superando Naver.
Os legisladores agora ecoam seus colegas americanos ao dizer que a ausência de concorrência expõe os consumidores e desenvolvedores aos caprichos de Apple e Google.