STF julga nesta quarta constitucionalidade de artigo do Marco Civil da Internet
Agência Brasil
STF julga nesta quarta constitucionalidade de artigo do Marco Civil da Internet

Está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira (17) o julgamento de um recurso extraordinário sob relatoria do ministo Dias Toffoli que vai decidir sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. A depender da decisão do STF, o resultado do julgamento pode afetar as discussões no Congresso Nacional sobre o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News.

Atualização: após a publicação desta reportagem, o julgamento do caso foi adiado para junho.

O Marco Civil da Internet é a legislação que rege atualmente a regulação de plataformas digitais no Brasil. Em seu artigo 19, o texto prevê que as plataformas só podem ser responsabilizadas civilmente por danos causados por conteúdos publicados por usuários caso descumpram uma ordem judicial.

Isso significa, por exemplo, que se um usuário difama outro no Facebook, a rede social não pode ser responsabilizada pelas consequências deste conteúdo, a não ser que o caso tenha chegado a julgamento, um juiz tenha determinado a remoção do conteúdo e o Facebook não tenha removido a publicação em questão.

Entenda o caso que chegou ao STF

A discussão sobre a constitucionalidade do artigo 19 chegou ao STF justamente por conta de um caso individual. Uma usuária do Facebook, moradora do estado de São Paulo, moveu um processo contra a empresa por ter um perfil falso criado em seu nome na rede social. A mulher pedia, além da remoção do conteúdo, o pagamento de indenização por danos morais.

Em primeira instância, o juiz determinou a remoção do conteúdo, o que foi cumprido pelo Facebook, mas negou a indenização com base no artigo 19 do Marco Civil da Internet, alegando que a rede social não poderia ser responsabilizada por não agir sobre um conteúdo antes da determinação judicial.

Em segunda instância, porém, a Justiça condenou o Facebook a pagar indenização à mulher, citando as garantias constituicionais à honra, intimidade, imagem e privacidade.

O Facebook, então, recorreu da decisão, e o caso chegou ao STF ainda em 2017, mas não foi julgado desde então. A repercussão geral do caso foi reconhecida, o que significa que o que a Corte decidir sobre esse caso tem validade geral para julgamentos que envolvam o artigo 19 do Marco Civil da Internet.

Por que a discussão é importante?

O julgamento do recurso extraordinário foi marcado após a votação do PL das Fake News ser adiada na Câmara dos Deputados . "A inclusão na pauta é, acima de tudo, uma estratégia política do STF de pressionar o Congresso Nacional", avalia João Victor Archegas, mestre em Direito por Harvard e pesquisador no Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio.

Para o pesquisador, a ideia do STF é dar uma resposta à sociedade a respeito da crescente discussão sobre a responsabilização das plataformas digitais no que diz respeito à propagação de conteúdos com desinformação, ódio e violência.

"O Supremo quer ser uma das instituições a dar uma resposta para a população brasileira a respeito disso, e vai usar essa discussão do artigo 19 como veículo para entregar essa mensagem", opina João.

No julgamento previsto para esta quarta-feira, o STF pode decidir por três caminhos: considerar o artigo 19 do Marco Civil da Internet inconstitucional; considerá-lo constitucional; ou ter uma interpretação conforme do artigo 19.

A terceira opção, que é a mais provável de acontecer, faria com que o STF estabelecesse uma interpretação considerada correta do artigo 19. Nesse sentido, a Corte pode definir, por exemplo, exceções ao artigo, indicando casos em que as plataformas podem ser responsabilizadas por conteúdos antes mesmo dos casos chegarem a julgamento.

Atualmente, o Marco Civil da Internet já prevê uma exceção ao artigo 19, que é o caso de divulgação de conteúdos pornográficos sem a autorização do cidadão. Nesse caso, se um usuário solicitar a remoção de um conteúdo pornográfico publicado sem sua autorização, a rede social é obrigada a removê-lo imediatamente, mesmo sem que o caso chegue a Justiça antes.

"O Supremo pode decidir que não é só em caso de pornografia que pode haver esse tipo de exceção, mas também em casos de violação da honra e da imagem, que é a discussão nesse caso concreto que chegou para o Supremo. Mas o STF pode eventualmente expandir isso e abrir exceções para ataques às escolas e crimes contra o estado democrático de direito", explica João.

Como o julgamento no STF interfere no PL das Fake News?

Embora o Marco Civil da Internet ainda seja atual e importante para a regulação de plataformas digitais no Brasil, ele não contempla algumas preocupações mais contemporâneas, como a disseminação de coteúdos desinformativos e violentos.

O PL das Fake News prevê, portanto, responsabilização administrativa (como multa ou advertência) para plataformas que não cumprirem algumas obrigações, como publicar relatórios de transparência sobre moderação de conteúdo e seguir determinações de auditorias externas.

Essa nova legislação é compatível com o Marco Civil da Internet, que prevê responsabilização civil em relação a conteúdos individuais, como o pagamento de indenização por descumprimento de determinação judicial, por exemplo. Ambas as regras, portanto, devem se complementar.

Se o STF decidir por determinar uma interpretação do Artigo 19, adicionando exceções a ele, a discussão sobre o PL das Fake News pode mudar um pouco, sobretudo no que diz respeito à responsabilização das plataformas.

"Se isso acontecer, o Congresso vai ter que se limitar a uma regulação focada em transparência, em questão de processo de moderação de conteúdo e direitos dos usuários. Aquelas partes do texto que falam sobre responsabilidade das plataformas talvez já não façam mais sentido, porque o Supremo já teria dado uma resposta para essa questão", afirma João.

"Essa decisão do Supremo pode mudar um pouco os incentivos e os cálculos políticos do PL. Como é uma matéria muito sensível, eu consigo vislumbrar o Congresso deixando isso [responsabilização das plataformas] um pouco de lado caso o Supremo venha e dê uma resposta para esse ponto específico", completa o pesquisador.

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