Astronauta Marcos Pontes

Como transformar resíduos em oportunidades econômicas e ambientais, combatendo desperdício

Economia Circular ganha força com projeto aprovado no Senado

Senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) em pronunciamento na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal. Aprovação do PL 5723/2023 que Institui a Política Nacional de Economia Circular, o Sistema Nacional de Arranjos Produtivos Locais de Recuperação de Valor da Cadeia Produtiva de Produtos e Materiais Derivados de Resíduos ou Pós-Consumo, e o Programa de Incentivo à Economia Circular em âmbito federal.
Foto: Foto: Roque de Sá / Agência Senado
Senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) em pronunciamento na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal. Aprovação do PL 5723/2023 que Institui a Política Nacional de Economia Circular, o Sistema Nacional de Arranjos Produtivos Locais de Recuperação de Valor da Cadeia Produtiva de Produtos e Materiais Derivados de Resíduos ou Pós-Consumo, e o Programa de Incentivo à Economia Circular em âmbito federal.


Temos que começar a pensar em economia circular, em um novo modelo de produção e consumo e mudar a nossa cultura. Não temos avançado muito quando falamos sobre o manejo dos resíduos sólidos no Brasil. O estudo  “Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2023”, da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA) indica que, somente em 2022, o brasileiro descartou 71,7 milhões de toneladas de lixo. Estima-se que 61% (43,8 milhões de toneladas) dos resíduos sólidos coletados foram encaminhados para aterros sanitários, dando o destino correto ao lixo. 39% (34 milhões de toneladas) do total de resíduos coletados e não coletados foi despejado de forma inadequada, oferecendo riscos ao meio ambiente e à saúde pública. A Política Nacional dos Resíduos Sólidos brasileira existe há 13 anos e o Novo Marco Legal do Saneamento tem 3 anos, mas pouco avançamos.

Segundo o relatório  Global Waste Management Outlook 2024 (GWMO), da International Solid Waste Association (ISWA), a geração de resíduos sólidos, no mundo, deve aumentar de 2,1 bilhões de toneladas em 2023 para 3,8 bilhões de toneladas até 2050, um aumento de 80% do lixo domiciliar. Cerca de 40% desses resíduos são descartados em locais inadequados. Na América do Sul, o percentual é de 34%. O índice de reaproveitamento global do lixo é de 19%, no Brasil, esse índice é de 3 a 4% e está estagnado há mais de 10 anos. A produção de resíduos sólidos, no nosso país, pode aumentar em 50%, até 2050. O Brasil segue a linha de crescimento do mundo, mas está muito atrasado em relação ao reaproveitamento. Os impactos do descarte incorreto do lixo são muito negativos tanto no clima quanto para a saúde humana.

Ainda segundo a pesquisa, se a cultura não mudar, o custo global da gestão desses resíduos deve chegar a US$ 640,3 bilhões até 2050. Ao adotarmos práticas de controle de resíduos, é possível limitar os custos anuais líquidos até 2050 para US$ 270,2 bilhões. Entretanto, se adotarmos a Economia Circular podemos ter um ganho líquido total de US$ 108,5 bilhões por ano.

O lixo não deve ir para o lixo: Economia Circular

Precisamos de um novo modelo de design, produção, venda, distribuição de materiais e uma nova consciência na geração e descarte de lixo, segundo o relatório. Pelos números, o cenário possível é alcançar 60% de reciclagem, no mundo (hoje 19%) e reduzir a geração de resíduos para que, em 2050, não existam mais destinos inadequados no planeta.

A economia circular busca estender o ciclo de vida dos produtos, a fim de promover o uso eficiente dos recursos, sua reciclagem e reutilização até a regeneração dos materiais. Adotar o modelo da Economia Circular é fazer a prevenção de resíduos, investir em práticas comerciais sustentáveis e aplicar no gerenciamento completo de resíduos. Tal modelo é fundamental para evitar a exploração exagerada dos recursos naturais e incentivar as empresas e consumidores a adotar práticas mais sustentáveis.

Economia

A Economia Circular pode ser uma grande oportunidade econômica. Por meio da reciclagem e da reutilização de materiais, é possível reduzir os custos de produção, além de criar novos mercados, negócios e empregos nos setores relacionados interessados. Empresas que adotam essas práticas podem ser mais competitivas pela inovação e respondem às crescentes demandas dos consumidores por produtos mais sustentáveis.

Um estudo do Centro Sebrae Sustentabilidade (CSS) chamado “Engajamento dos pequenos negócios brasileiros às práticas de economia circular” afirma que 32,7% dos pequenos empresários adotam as práticas de economia circular, mas somente 16,51% têm conhecimento sobre o tema. A maioria dos negócios avaliados que conhecem o assunto estão nas regiões do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em contraste com as regiões sul e sudeste que apresentam pouca familiaridade com o tema.

O modelo de produção atual é poluente e prejudica os sistemas naturais. A ideia é redesenhar e reaproveitar os resíduos na pós-indústria, ainda dentro da fábrica, para não haver mais descarte nessa fase. Mantendo a produção, mas tornando-a mais amigável.

Já o  Diagnóstico de Economia Circular no setor de bares e restaurantes, da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), em parceria com o Sebrae, realizado em 2023, mostra que existe um amplo interesse pela adoção de práticas mais sustentáveis, buscando eficiência e redução dos custos. 

As empresas que faturam até R$ 81 mil anualmente (MEI - Microempreendedor Individual), são as mais interessadas. Fatores como influência exercida pelos clientes (20%) ou exigências feitas por parceiros (12%), fornecedores (11%) e investidores (11%) são menos relevantes na adoção de medidas sustentáveis. O que mais conta, segundo o levantamento, é a motivação dos próprios empreendedores de bares e restaurantes (48%).

A energia costuma ter um grande peso nas despesas do negócio e são os motivos mais citados pelos entrevistados. Os equipamentos são grandes consumidores de energia, portanto, oportunidades como equipamentos de biogás (derivado da decomposição de matéria orgânica) e de painéis solares (equipamentos próprios ou fazendas de energia). Outro ponto é a recuperação de resíduos tanto orgânicos quanto de plástico, papel, alumínio e vidro. Nesse caso, existe a possibilidade de reduzir o desperdício (gestão de estoque e preparo dos alimentos) e ações de recuperação (compostagem, produção de biogás, logística reversa e reciclagem).

Aumentar o mercado de reciclagem para o resíduo se tornar a matéria-prima

Pelos dados da ABREMA, mencionado no início do artigo, das embalagens constituídas de materiais passíveis de reciclagem do material recuperado, as embalagens mais presentes são as de papel e papelão, totalizando 39,3% do total recuperado, seguidas por plástico, com 25,5% do total, metais e vidro, com 17,0% cada, e 1,2% do total.

O plástico é um grande vilão do meio ambiente porque é notoriamente difícil de degradar, levando centenas de anos para se decompor na natureza. O nosso atual padrão de consumo, baseado na economia linear, tem gerado enormes quantidades de resíduos, especialmente de materiais como o plástico, amplamente utilizado em diversas indústrias. Quando descartado de forma inadequada, pode causar sérios prejuízos ao meio ambiente.

A reciclagem do plástico é uma das principais estratégias dentro da economia circular para mitigar os impactos desse material. Ao reciclar, reduzimos a demandapormatérias-primasvirgens e economizamosenergia que seria usadanaprodução de novosplásticos. Além disso, a reciclagem ajuda a preservar os recursos naturais. Mas, apenas 9% dos resíduos plásticos são reciclados, 17% são incinerados,  22%  não são coletados e  46%  são despejados em aterros sanitários, além de  milhões de toneladas de plástico que acabam nos oceanos, segundo os dados do ISWA. Pelo estudo, é preciso eliminar plásticos descartáveis ​​e desnecessários no mundo, redesenhar produtos, embalagens e  sistemas para reutilização, recarga e reciclagem.

Mas onde tem desafio, tem oportunidade e podemos ver uma luz no fim do túnel. A era do plástico que vira lixo está chegando ao fim e o Therpol ou o plástico do futuro, pode ser uma solução. Já ouviu falar? Os materiais produzidos com Therpol são mais resistentes e 100% recicláveis, isto é, duram mais e, quando descartados, podem ser totalmente reutilizados, evitando agressões ao meio ambiente. É a criação de um termoplástico à base da borracha natural das Seringueiras, sendo um biomodificador ou matéria-prima de origem vegetal que visa a modificação do plástico, de impacto para os mais diversos tipos de plásticos, virgens e reciclados. É uma tecnologia capaz de garantir a reciclagem de produtos plásticos, viabilizando a Economia Circular, pensando em toda a cadeia produtiva para um futuro melhor, atendendo a demanda do mercado em projetos de Economia Circular. O Therpol é 100% brasileiro, proveniente de fontes sustentáveis e renováveis. Eu conversei sobre isso com o químico Sidnei Nasser, CEO da Proquitec, indústria de produtos químicos. A entrevista completa você pode assistir no meu canal do youtube @Astropontes.

A transição para uma economia circular e a prática da reciclagem de plástico são essenciais para garantir um futuro mais sustentável, preservando o meio ambiente e ao mesmo tempo, impulsionando a economia de maneira eficiente e inovadora.

Combater o desperdício de alimentos no mundo

A Economia Circular existe para romper o ciclo do desperdício. O  “Relatório do índice de Desperdício de Alimentos 2024” do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) diz que o mundo joga fora mais de 1 bilhão de refeições por dia, cerca de um quinto dos alimentos disponíveis para as pessoas foram desperdiçados. Em 2022, 60% desse desperdício ocorreu em domicílios, 28% nos serviços de alimentação e 12% no varejo. Segundo o relatório, apenas quatro países do G20 (Austrália, Japão, Reino Unido, EUA) e a União Europeia possuem estimativas adequadas para monitorar o desperdício de alimentos, enquanto o Brasil está desenvolvendo uma linha de base robusta. Países mais quentes apresentam maior desperdício per capita, possivelmente devido ao consumo de alimentos frescos e à falta de cadeias de refrigeração eficazes. Mas o custo é alto. A estimativa é que o custo global do desperdício alimentar é de cerca de US$ 1 trilhão. Além disso, cerca de um terço de todos os alimentos vai para o lixo durante o processo de produção.

A quantidade de alimentos desperdiçados daria para alimentar cerca de 1,26 bilhão de pessoas por ano, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Cerca de um terço da população mundial enfrenta a insegurança alimentar e quase 800 milhões passam fome. Além disso, o desperdício de alimentos não só representa uma perda econômica significativa, mas também um desperdício de recursos naturais, como água e energia, contribuindo para a emissão de gases de efeito estufa. Mas existem soluções nos níveis domiciliar, empresarial e global.

O combate ao desperdício de alimentos é fundamental não somente para o aumento da disponibilidade de alimentos, mas também é um incentivo à produtividade e ao crescimento econômico. E existem soluções.

Ações domiciliares:

Planejamento: Comprar apenas o necessário e planejar semanalmente as refeições evitam o acúmulo de alimentos que podem estragar.

Armazenamento: usar recipientes herméticos e congelar porções de alimentos

Aproveitamento: Usar os alimentos integralmente como cascas, talos e sementes. A compostagem domiciliar pode ser uma forma de transformar restos de alimentos em adubo natural.

Ações Empresariais:

Inovação na cadeia de suprimentos e na produção com a adoção de novas tecnologias e a análise de dados melhoram a gestão dos alimentos e podem se tornar uma tendência de negócios. O desperdício pode ser minimizado com tecnologias de monitoramento para prever a demanda de forma mais precisa, evitando a superprodução.

Na cadeia produtiva, por exemplo, as empresas podem investir em novas tecnologias para melhorar a infraestrutura de produção e armazenamento. A inteligência Artificial também pode colaborar com as práticas da colheita, mensurando o antes e o depois, monitorando as plantações e fornecendo diagnósticos precisos para aumentar a sua produtividade e reduzir a perda de alimentos. A biotecnologia também ajuda na qualidade, entendendo a vida do produto e combatendo pragas. Sensores com alerta e envio de relatório supervisionam a vida do alimento, ajudando no processo de armazenamento. Aplicativos podem conectar comércio e pessoas. Tecnologias modernas podem fazer com que o processamento e as embalagens sejam mais eficientes. Além de pensar na logística e transporte mapeando todo o caminho até chegar ao destino. As empresas podem investir em gestão de qualidade, sustentabilidade e gestão de estoque usando dados inteligentes.

Reduzir o desperdício de alimentos em casa ou nas empresas pode trazer benefícios econômicos significativos. As famílias podem economizar em suas despesas mensais e as empresas podem aumentar a eficiência e o rendimento. Combater o desperdício de alimentos requer ação coordenada em todos os níveis da sociedade. Mas com esforço conjunto, é possível transformar desperdícios em oportunidades.

A iniciativa privada é a maior responsável por gerar novas soluções baseadas em tecnologia. Mas muitas políticas públicas tentam trazer o tema para discussão e contornar o problema.

O projeto de minha iniciativa sobre a Economia Circular (PL 5723/2023) foi aprovado por unanimidade nesta terça-feira (13/08/2024), na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal. O objetivo do projeto é reduzir ou mitigar os efeitos negativos da má gestão de resíduos sólidos na saúde humana, no meio ambiente e na economia. Essa proposta não é “modinha” ou de uma terminologia ambiental criada para atrair os “amigos do meio ambiente”, mas é uma mudança de curso. O modelo atual de produção e consumo é linear (fabricação - consumo - descarte) que deveria ser substituído pelo modelo que prolonga o ciclo de vida do produto e cujo resíduo é remanufaturado, tornando-se insumo para novo ciclo produtivo.


Economia Circular, nesse contexto, é um dever de todos. Precisamos unir as empresas privadas, o setor produtivo, as instituições públicas, as empresas de saneamento básico, as organizações da sociedade civil e os consumidores em geral. Promover a economia circular e a gestão adequada dos resíduos sólidos é uma responsabilidade de todos.

É evidente que a transição para um modelo de Economia Circular é importante para enfrentar os desafios do desperdício de alimentos e a má gestão de resíduos sólidos no Brasil e no mundo. Isso não é somente uma necessidade ambiental, mas uma oportunidade econômica significativa, capaz de gerar novos mercados, reduzir custos e promover a inovação por meio do prolongamento do ciclo de vida dos produtos e o reaproveitamento de materiais.

A prática é conjunta, desde simples ações domiciliares no dia a dia até grandes inovações tecnológicas e políticas públicas que promovam uma gestão mais eficiente e consciente dos recursos. A aprovação do PL 5723/2023 na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal é um passo significativo rumo a essa mudança que alinha o desenvolvimento econômico com sustentabilidade. É hora de agir para transformar desafios em oportunidades, garantindo um planeta saudável e próspero para as próximas gerações.

** Marcos Pontes é mestre em Engenharia de Sistemas e o primeiro astronauta profissional a representar oficialmente um país do hemisfério sul no espaço. Foi ministro das Comunicações (2019-2020) e da Ciência, Tecnologia e Inovações (2020-2022). Atualmente é senador da República por São Paulo, cargo para o qual foi eleito com mais de 10,7 milhões de votos. Entusiasta do avanço das tecnologias de inteligência artificial, defende o desenvolvimento econômico e social do país por meio do conhecimento, da educação, da ciência, da tecnologia, da inovação e do empreendedorismo.