A Justiça europeia anulou, nesta quinta-feira (16), o acordo sobre a transferência de dados pessoais entre a União Europeia (UE) e os Estados Unidos , conhecido como Privacy Shield. A decisão foi tomada apontando riscos para sua proteção nos programas de vigilância americanos.
A esperada decisão, que considera que o pacto não protege de forma adequada esses dados, afeta as empresas que operam na UE e que guardam seus dados no outro lado do Atlântico, como as gigantes Facebook
e Google
.
Isso significa que efetivamente se encerra o acesso privilegiado que as empresas dos EUA tinham aos dados pessoais de usuários da Europa e coloca o país em pé de igualdade com outras nações fora da União Europeia.
O acordo possibilita "interferências nos direitos fundamentais das pessoas cujos dados são transferidos aos Estados Unidos, já que suas autoridades podem ter acesso aos mesmos sem limitar-se ao estritamente necessário", afirmou em sua decisão o Tribunal de Justiça da UE.
O jurista austríaco Max Schrems, um importante defensor da proteção dos dados pessoais que iniciou o caso com uma denúncia contra o Facebook , comentou a decisão. "Parece que conseguimos uma vitória de 100%", disse.
Schrems pedia a interrupção do envio de dados entre a sede europeia do Facebook na Irlanda e sua matriz na Califórnia, uma vez que as agências de inteligência americanas, como o FBI e a NSA, podem acessá-los sem controle, como foi evidenciado pelo caso Snowden.
"Para nossa privacidade, os Estados Unidos terão que se envolver em uma séria reforma de vigilância para voltar ao status 'privilegiado' para as empresas americana", completou Schrems, que em 2015 conseguiu a anulação de um acordo similar entre Estados Unidos e UE.
O Facebook disse nesta quinta-feira que está analisando as implicações da decisão do tribunal europeu. “Como muitas empresas, estamos considerando cuidadosamente as descobertas e implicações da decisão do Tribunal de Justiça em relação ao uso do Privacy Shield e esperamos orientações regulatórias a esse respeito”, afirmou Eva Nagle, consultora geral do Facebook, em comunicado. “Garantiremos que nossos anunciantes, clientes e parceiros possam continuar desfrutando dos serviços do Facebook, mantendo seus dados seguros e protegidos”, acrescentou.
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Os dados pessoais como geolocalização ou comportamento dos internautas são uma mina de ouro da economia digital, especialmente para os gigantes americanos da internet, como Google , Facebook e Amazon .
Incerteza jurídica
Para a Computer and Communications Industry Association (CCIA), a decisão cria "incerteza jurídica para milhares de pequenas e grandes empresas dos dois lados do Atlântico que usam o Escudo da Privacidade em suas transferências diárias de dados comerciais".
Alexandre Roure, diretor da CCIA, afirmou esperar que Bruxelas e Washington "elaborem rapidamente uma solução duradoura, de acordo com o direito europeu, para garantir a continuidade do fluxo de dados".
"Vamos trabalhar com os colegas americanos para ver como negociar novas garantias", disse o comissário europeu de Justiça, Didier Reynders, que falou ontem com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross.
Ross disse estar "profundamente decepcionado" com a decisão e expressou sua disposição de trabalhar com Bruxelas. Também pediu que as empresas "pudessem transferir dados sem interrupção" em plena crise do novo coronavírus (Sars-Cov-2), segundo um comunicado.
Outro mecanismo como opção
As 5.000 empresas americanas - incluindo 70% de PMEs - que usam o "Escudo de Privacidade" poderiam rapidamente mudar para outro mecanismo que permite a transferência de dados da UE para o resto do mundo: as "cláusulas padrão".
Essa alternativa é um modelo de contrato definido pela Comissão Europeia que qualquer empresa pode usar para exportar seus dados
, por exemplo, para uma subsidiária, uma controladora ou uma terceira empresa.
O tribunal com sede em Luxemburgo validou esse outro mecanismo, mas recordou que as autoridades responsáveis pela proteção de dados na UE devem suspender os envios se as leis nos países de destino não os protegem suficientemente.
A anulação do "Escudo de Privacidade" representa um novo revés para Bruxelas, após a invalidação na quarta-feira da decisão da Comissão Europeia que exigia da Apple a devolução de € 13 bilhões(US$ 14,8 bilhões) à Irlanda por vantagens fiscais indevidas.