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Maioria das empresas não tem como atender à Lei de Proteção de Dados
Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Maioria das empresas não tem como atender à Lei de Proteção de Dados


Chegou a vez de o consumidor colocar as empresas contra a parede. Essa é a promessa da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) , que entra em vigor a partir de 20 de agosto. Além dos clientes, que devem ter suas informações rigorosamente protegidas, a própria legislação esmaga as companhias, ao exigir uma série de responsabilidades para que os dados que elas detêm sejam cuidadosamente armazenados para não serem vazados ou roubados por hackers .

Se isso ocorrer, seja por ter sofrido ataque em seu sistema ou por erro no processo de arquivamento, a LGPD prevê multas que variam de 2% do faturamento da empresa a R$ 50 milhões para cada falha constatada. Uma alta punição pecuniária, capaz de quebrar a maioria das empresas do país e que fará, segundo especialistas, com que a lei venha para ficar .

As companhias estão assustadas. Mas é lenta a movimentação para se adequar às novas regras , devido à complexidade, às mudanças de processos e cultura e aos custos. Conclusão: a quase 200 dias de a norma passar a valer, o arcabouço empresarial brasileiro não está preparado para atender às exigências previstas. E isso coloca em dúvida se a privacidade do cidadão será mesmo preservada a partir da LGPD .

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A nova lei prevê que as empresas têm de proteger ou descartar os dados pessoais (nome, telefone, e-mail, RG, endereço e outros) de clientes e funcionários, por exemplo. E não só arquivos digitais . Os físicos também. Se houver vazamento , de qualquer tipo, será aplicada multa.

Dados sobre consumidores são considerados valiosos no ambiente corporativo para tomadas de decisões mais assertivas, visando alcançar o público-alvo do negócio de forma mais eficiente. Com essas informações em mãos bem trabalhadas e as estratégias definidas, vende-se mais, gastando menos energia e força de trabalho. Por isso, os dados são considerados o petróleo do futuro . E também por isso devem ser bem guardados, pois todo mundo está de olho neles: o cidadão, as empresas, os hackers e as companhias de cibersegurança que trabalham para protegê-los.

Segundo pesquisa da Serasa Experian , 85% das empresas brasileiras não estão preparadas para a LGPD . Foram ouvidos executivos de 508 companhias do País, de 18 setores e dos mais variados portes. Na opinião do diretor-geral da Kaspersky no Brasil, Roberto Rebouças, esse número pode ser ainda maior.

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“É mais do que isso. Hoje, se você entrar em qualquer site, ele te pede um monte de informações. Estamos sendo procurados por empresas”, afirma o executivo da maior companhia privada do Brasil no setor de segurança de dados . “Neste momento, ninguém está preparado. Tem muita coisa nebulosa, muita coisa que será definida em cima da hora e muita coisa que vai acontecer e será avaliada quando a lei estiver em vigência”, diz.

Complexidade

Na avaliação do professor Maximiliano de Carvalho Jácomo, coordenador do curso de segurança digital do Instituto de Gestão e Tecnologia da Informação ( IGTI ), em Minas Gerais, além da proteção, as empresas precisam ter controles de como estão fazendo as coisas. “É complexo. Será alterada a cultura das firmas e dos cidadãos”, observa.

Ele concorda com Roberto Rebouças sobre as empresas não estarem preparadas para atender à lei , apesar de ver a LGPD com olhar otimista, o que coloca em dúvida se a regra vai ser uma conquista ou dor de cabeça para a sociedade brasileira.

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Embora Rebouças, da Kaspersky , precise vender seu peixe, o executivo garante que o brasileiro, em geral, defende muito mal seus dados . Pior: os expõem na internet voluntariamente. “Hoje, temos pouca privacidade. O brasileiro posta muita coisa dele mesmo. É campeão mundial de mídia social em praticamente todas elas. Em 10 ou 15 minutos de pesquisa sobre alguém, posso mandar e-mail com informações sobre ela, fazendo parecer que a conheço há 20 anos”, garante o executivo da Kaspersky, de origem russa e com escritório principal na Suíça. No Brasil , está instalada desde 2012.

“Não vemos nessa lei uma oportunidade de negócio . Temos trabalhado permanentemente com os clientes para deixá-los mais preparados e com conhecimento suficiente para entender qual é a problemática. Ninguém vai ter tempo nem dinheiro para fazer tudo, a tempo de a legislação começar a valer”, diz Rebouças.

O executivo acredita que não há solução definitiva para evitar ataques cibernéticos que visam capturar dados . A solução mais eficaz para a proteção cibernética é transformar a eventual vítima num alvo de difícil acesso. “Não existe proteção 100% e nunca vai existir. Qualquer pessoa mal intencionada, se decidir invadir algum local, consegue. Depende de quanto ela está disposta a investir nesse ataque".

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Multas podem incentivar “cibersequestro”

A LGPD avançou depois de ataques e vazamentos se intensificarem no Brasil. O país, que já ostentava as primeiras posições mundiais em phishing e outros ataques, viu alguns casos se tornarem famosos por sua grande escala, como divulgação ilegal de dados de clientes bancários e de consumidores de e-commerces – em âmbito mundial, o caso do Facebook é um dos mais famosos e no Brasil destaca-se o da Netshoes .

A legislação tem origem na Medida Provisória 869 de 2018, editada pelo então presidente Michel Temer. O atual comandante do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro , sancionou a lei 13.853 de 2019, que flexibilizou a Lei Geral de Proteção de Dados (13.709 de 2018) e criou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável pela futura fiscalização.

Com muitas incógnitas e altas multas, a LGPD pode levar a um caminho perigoso, fazendo surgir outros tipos de crime. “É possível que um invasor entre no sistema de uma empresa, pegue os dados e entre em contato com a própria empresa para pedir resgate, como num sequestro cibernético . Numa situação hipotética, com os dados vazados a empresa pagaria multa de R$ 100 mil, por exemplo. O invasor pede R$ 50 mil para não vazar”, diz Roberto Rebouças, da Kaspersky.

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Thiago Bordini, diretor de inteligência cibernética e pesquisa do Grupo New Space, que tem em uma de suas vertentes a prevenção a fraudes pela internet , aponta outros problemas. “Ainda existem muitas dúvidas sobre a nova lei. Principalmente, de como serão as investigação de vazamentos ”, destaca.

“Não se sabe como isso será feito. E são muitas variáveis. Imagine que uma pessoa tenha a mesma senha e e-mail para duas lojas virtuais diferentes e seus dados foram vazados. Pode haver confusão sobre onde, de fato, é a origem do vazamento e uma empresa pagar pela outra”, avalia Bordini, ao sugerir tempo para “maturação” da lei, com orientações iniciais antes da aplicação das sanções.

Os especialistas apontam, ainda, uma distinção importante entre a lei brasileira e a europeia : o escalonamento. Enquanto na Europa a legislação prevê exigências diferentes para empresas de grande, médio e pequeno portes, por aqui todas as empresas são tratadas da mesma forma. Uma gigante automobilística terá as mesmas obrigações da pequena venda de verduras da esquina. A LGPD trata os diferentes como iguais. A seis meses do início de sua vigência, há mais dúvidas do que certezas. Afinal: a privacidade estará garantida ou mais perto de ser violada?

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