Letícia Linn tinha apenas 15 anos quando começou a ser perseguida na internet
por um desconhecido. A jovem de Fortaleza (CE) tem um canal no YouTube
e, na época, costumava publicar vídeos cantando. Em um deles, um homem deixou comentários obscenos, que persistiram durante meses.
"No enquadramento [do vídeo], aparecia um shorts que eu estava usando, aparecia a minha perna. Eu acho que esse foi o incentivo, se é que podemos chamar disso, para um cara começar a mandar mensagens horríveis mesmo, muito obscenas nos comentários dos vídeos", lembra Letícia, hoje com 21 anos.
Dos comentários dos vídeos, que ela excluía, o homem começou a persegui-la em mensagens privadas no Facebook e textos por e-mail. O conteúdo sempre era sexual e deixou a jovem com muito medo de que a perseguição virtual pudesse se tornar real.
"Um ano antes, eu tinha começado a ir para uma escola longe da minha casa, então eu pegava ônibus. E eu não sabia de onde era essa pessoa, mas eu tinha medo, sim, de que essa pessoa pudesse querer me encontrar. Porque ele falava sobre isso nas mensagens, dizendo 'me chama para a sua casa' ou 'seria legal você vir na minha casa para a gente fazer isso ou aquilo'. Então, eu ficava com medo", conta.
Stalkear é crime
O que Letícia passou anos atrás está, atualmente, configurado em um crime específico , incorporado ao código penal brasileiro em abril deste ano. A lei vale tanto para perseguição praticada no ambiente físico quanto no virtual, e pode dar até dois anos de cadeia, pena que pode ser aumentada em determinados casos.
"O stalking está relacionado a uma perseguição reiterada e com a finalidade de ameaçar, constranger ou restringir, de alguma forma, a integridade física ou psicológica da vítima", explica o advogado Tiago Henrique dos Santos.
O termo stalkear é muito utilizado na internet para definir apenas uma "fuçada" nas redes sociais de outra pessoa. Isso, explica Tiago, não é configurado como crime. "Olhar o perfil de alguém por curiosidade sem que a pessoa saiba, ou mesmo fazer isso de uma forma que não afete a pessoa, não se enquadra no crime de stalking", define.
Tiago afirma que um dos principais exemplos de stalking na internet são pessoas que ficam enviando mensagens o tempo todo sem autorização da vítima. "Às vezes, a vítima nem passou o WhatsApp para o infrator, muitas dessas mensagens são ofensivas ou então são invasivas, querendo saber da vida pessoal sem que a pessoa tenha permitido", diz.
Você viu?
Na época em que Letícia foi perseguida na internet, não havia um crime específico de stalking , mas a importunação já poderia ser punida de acordo com leis anteriores. Na época, porém, seus pais decidiram não denunciar o caso.
"Eu acho que é porque eles não viam a dimensão daquilo para mim, porque realmente me afetava muito. Como eles não eram muito do mundo da internet, eles não viam a importância, por não ter algo físico", comenta. Hoje, ao saber da nova lei, ela fica feliz que outras meninas ou mulheres que passam por situações parecidas podem ter justiça. "Acho que, muitas vezes, as mulheres não denunciam por achar que vai ficar impune, não vai dar em nada. Acho até que meus pais pensaram isso na época. Então eu acho que [a nova lei de stalking ] é um incentivo maior para a gente denunciar e realmente acontecer alguma coisa com essas pessos [infratores]".
Crimes contra as mulheres crescem na internet
De fato, o crime de stalking
costuma ser mais praticado contra mulheres, e é justamente por isso que a nova lei representa um avanço. "Nos últimos anos, a legislação avançou de um modo geral nesse sentido. Significa que a gente teve a incorporação da figura do feminicídio, e o artigo que prevê o crime de stalking traz que há um aumento na pena quando ele é cometido contra a mulher", afirma Tiago.
Atualmente, dados da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, realizada pela SaferNet , organização que promove e defende os direitos humanos na internet no Brasil, mostram um aumento no número de denúncias de anônimas de violência ou discriminação contra mulheres online . Em 2020, foram 12.698 denúncias, número 78,5% maior que o registrado em 2019.
Para Letícia, é muito importante incentivar a denúncia e falar sobre o tema. Ela conta que, por não ter denunciado o caso na época, sentiu que "tinha ficado uma pendência em relação a esse assunto". Essa sensação só foi passar em janeiro deste ano, quando ela resolveu contar a história em seu canal do YouTube . "Foi como colocar para fora finalmente, para também tentar ajudar outras pessoas", conta.
A jovem também diz que, até hoje, não gosta de usar shorts quando sai sozinha, trauma que acredita estar relacionado à perseguição que sofreu na internet há seis anos, sobretudo porque o assunto nunca foi devidamente encerrado. "Eu acho que vai chamar a atenção, alguma coisa das minhas pernas, que foi exatamente o início do primeiro texto que ele postou para mim no YouTube, falando sobre isso, sobre o shorts, sobre a perna que aparecia", relata.
Enquanto isso, espionagem aumenta
Na semana passada, a empresa de cibersegurança ESET publicou um relatório que afirma que a instalação de aplicativos espiões cresceu 48% em 2020 no sistema operacional Android . Esse tipo de aplicação geralmente vem "encoberta" como apps de controle parental mas que, em muitos casos, são usados para controlarem funcionários ou parceiros.
As opções disponíveis no mercado brasileiro prometem que o assediador possa ter acesso a SMS enviados, recebidos ou deletados, chamadas realizadas e recebidas, localização e rotas do GPS, aplicativos de mensagens e redes sociais, todas as teclas digitadas e até escuta do som ambiente do smartphone
da vítima. Geralmente, esses apps são instalados por pessoas próximas sem o consentimento de quem está sendo assediado, e ficam ocultos nos celulares.
Tiago conta que esse tipo de aplicação é ilegal no Brasil, já que invade a privacidade
de outras pessoas. Ele afirma, porém, que ainda é discutido se esse tipo de ação entra, ou não, na nova lei de stalking.
"Essa é uma questão controversa ainda, até porque o crime de stalking foi incorporado no código penal no dia primeiro de abril deste ano. Então, quando você vai ler o artigo, ele fala sobre ameaçar a pessoa de um modo a afetar a integridade física ou psicológica dela. Quando você está falando de um aplicativo espião e a pessoa não tem ciência dessa perseguição, a um primeiro olhar não se enquadraria [no crime de stalking], porque a pessoa não está sofrendo nada no seu fisico ou psicológico. Porém, é uma discussão relevante, já que os aplicativos espiões também não são legalizados", explica.
Sou vítima de stalking online, o que fazer?
A melhor saída, nesse caso, é realizar uma denúncia. Antes disso, porém, algumas dicas são essenciais:
- Guarde provas. Capturas de tela das conversas, sobretudo das partes explicitamente abusivas ou ameaçadoras, devem ser guardadas;
- Não interaja com a pessoa que está te perseguindo e não compartilhe informações pessoais, como endereço;
- Bloqueie o contato do stalker e o denuncie na rede social ou plataforma na qual está sendo feito o contato; e
- Faça uma denúncia formal, realizando um boletim de ocorrência.