GETTR fere leis brasileiras
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GETTR fere leis brasileiras



A rede social GETTR, criada por um ex-conselheiro de Donald Trump e muito utilizada por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro , fere a legislação brasileira. Os termos de uso e a política de privacidade da plataforma estão disponíveis apenas em inglês, o que é proibido tanto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) quanto pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). As multas pela infração podem chegar a R$ 50 milhões.

De acordo com o GETTR, o Brasil já é o segundo maior país na rede social, atrás dos Estados Unidos e responsável por 15% dos usuários. Apesar disso, a assessoria de imprensa da plataforma confirma que os documentos estão disponíveis apenas em inglês.

Documentos em inglês

Os termos de uso de qualquer rede social são considerados uma espécie de contrato entre empresa e usuário, enquanto a política de privacidade é o documento no qual ficam descritos todos os dados que são coletados pela plataforma e para qual fim eles serão utilizados.

Marcus Pujol, diretor da Escola de Proteção e Defesa do Consumidor do Procon-SP, explica que ambos os documentos precisam estar em português para cumprirem a legislação brasileira. "A linguagem estrangeira é inadmissível", diz ele. De acordo com o CDC, a obrigação é direta, já que o código afirma que "todas as cláusulas contratuais e o termo de aceite a uma cláusula contratual devem ser em língua portuguesa", esclarece Pujol.

Já no caso da LGPD, a exigência é indireta, mas existe. A lei afirma que o titular dos dados (nesse caso, o usuário do GETTR) tem direito a "acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva".

"No momento do aceite, o titular de dados deve ter total ciência daquilo que está sendo colocado para ele. A linguagem deve ser acessível, o pedido do consentimento [para a coleta e uso de dados] deve ser claro, inequívoco, o mais direto possível, sem a utilização de verbetes técnicos, sem a utilização de linguagem obtusa, de linguagem dúbia. Então, se você coloca em uma língua estrangeira, você obviamente está dificultando o titular de dados de saber sobre o que ele está dando o aceite", explica Pujol.

Além de estarem completamente em inglês, os termos de uso e política de privacidade do GETTR não levam em consideração a legislação de dados brasileira, fazendo menções a leis estadunidenses. "Tem que estar em português e, obviamente, deve obedecer a legislação brasileira, porque é um serviço prestado no Brasil. Não pode, unilateralmente, impor que o consumidor brasileiro, consumindo um produto ou um serviço no Brasil, vai estar de acordo com tudo que está ali disposto em relação à legislação estrangeira. Não pode", declara Pujol.

GETTR pode ser multado no Brasil

O caso do GETTR não é o primeiro de violação da privacidade dos usuários por conta de termos em inglês.  Apple e Google já foram multados pelo Procon-SP  em 2019 por manterem em suas lojas de aplicativos o FaceApp, que tinha os termos de uso e a política de privacidade apenas em inglês. Na ocasião, a multa aplicada ao Google foi de R$ 9,9 milhões, enquanto a Apple teve que pagar R$ 7,7 milhões.

De acordo com Pujol, o próprio Procon, pautado no CDC, poderia multar o GETTR em até R$ 9 milhões, valor máximo estabelecido pela portaria interna do órgão. Já no caso da LGPD, cujas sanções passaram a valer em agosto deste ano , a multa pode chegar a, no máximo, R$ 50 milhões.

Além disso, de acordo com a LGPD, a empresa também pode receber as chamadas penas acessórias, como a proibição do serviço ou a proibição de captação e tratamento de dados. "Essas penas podem gerar um prejuízo maior para a empresa do que a própria multa", avalia o especialista.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do GETTR confirmou que ambos os documentos estão disponíveis apenas em inglês. A empresa não respondeu, porém, sobre o desrespeito à legislação brasileira e se pretende inserir documentos em português no aplicativo.

GETTR sem moderação?

O GETTR é uma rede social que se define como defensora da "liberdade de expressão e contra a cultura do cancelamento". A migração de grupos da extrema direita para a plataforma se deu, sobretudo, porque estes buscam um ambiente digital sem moderação, já que as grandes plataformas proíbem publicações que contenham discurso de ódio e desinformação, chegando a banir usuários que desrespeitem repetidamente as regras - como aconteceu com Donald Trump .

A ideia dos usuários do GETTR é a de que, nesta rede social, qualquer discurso pode circular livremente. Na prática, não é bem assim. Nos termos de uso da plataforma, é possível encontrar o seguinte trecho (em inglês): "O GETTR tem a liberdade de expressão como seu valor central e não censura suas opiniões. No entanto, GETTR pode revisar, monitorar, exibir, publicar, armazenar, manter, aceitar ou fazer uso de qualquer um de seus conteúdos gerados por usuários".

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do GETTR confirmou que a rede social pode remover conteúdos dos usuários que violem as regras, assim como qualquer outra plataforma. "Não hesitaremos em remover conteúdo e usuários que violem nossas diretrizes da comunidade", afirma a nota. Confira o texto completo:

"A GETTR é uma plataforma de liberdade de expressão para todos - um marketplace de ideias - e não favorece pontos de vista políticos em detrimento à liberdade de expressão de outro usuário. GETTR está desafiando os monopólios de mídia social das Big Techs com um produto superior, melhor experiência do usuário e mais recursos. E fornece a única coisa que as empresas do Vale do Silício não podem prometer: é livre de cancelamentos.

Levamos a questão da incitação ao ódio muito a sério e não hesitaremos em remover conteúdo e usuários que violem nossas diretrizes da comunidade. GETTR não tolerará ameaças ou intimidação; bullying, assédio ou perseguição; calúnias homofóbicas, raciais ou sexuais; encorajamento de comportamento criminoso ou ilegal; encorajamento à automutilação; compartilhamento de informações privadas de outra pessoa; conteúdo sexualmente explícito; spamming; conteúdo que retrata violência excessiva".

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