O Facebook divulgou na noite de quarta-feira (29) dois documentos que haviam sido vazados por uma reportagem
do jornal The Wall Street Journal. Os arquivos demonstram que a empresa sabia, ao menos desde 2019, que o Instagram pode ser prejudicial para a saúde mental de adolescentes.
Mais de duas semanas depois da reportagem, o Facebook decidiu publicar os documentos com anotações acrescentadas, afirmando que é necessário dar contexto à documentação. Uma das apresentações reveladas tem 27 páginas, enquanto a outra tem 66, e ambas mostram pesquisas internas realizadas pelo Facebook para entender o impacto do Instagram na vida de adolescentes.
Facebook tenta se defender
Ao disponibilizar publicamente os relatórios, a rede social tentou descredibilizar a reportagem do The Wall Street Journal, se esforçando para dizer que os dados haviam sido tirados de contexto. "Adicionamos anotações a cada slide que fornecem mais contexto, porque esse tipo de pesquisa é projetado para informar conversas internas, e os documentos foram criados e usados por pessoas que entenderam as limitações da pesquisa", escreveu Pratiti Raychoudhury, vice-presidente e chefe de pesquisa do Facebook, em uma publicação no site da empresa.
No domingo, Raychoudhury já havia rebatido a reportagem, dizendo que faltou "contextualizar descobertas específicas" e "deixar clara a natureza" das pesquisas internas. "Algumas das pesquisas contaram com a opinião de apenas 40 adolescentes e foram projetada para informar conversas internas sobre as percepções mais negativas dos adolescentes sobre o Instagram. Não mediram relações causais entre o Instagram e problemas do mundo real", escreveu ela.
O que dizem os documentos
A primeira apresentação é chamada "Momentos difíceis da vida - mergulho profundo em saúde mental". Nela, aparecem os resultados de uma pesquisa compartilhada internamente no Facebook em novembro de 2019.
Em suas anotações, que não estavam presentes nos documentos originais aos quais o The Wall Street Journal teve acesso, o Facebook afirma que a pesquisa foi realizada com pessoas entre 13 e mais de 65 anos e que "a metodologia não é adequada para fornecer estimativas estatísticas para a correlação entre Instagram e saúde mental ou para avaliar reivindicações causais entre mídias sociais e saúde/bem-estar".
Além disso, os adendos afirmam que o objetivo era encontrar pontos nos quais o Instagram poderia melhorar e, por isso, "a pesquisa com frequência concentra-se em áreas potenciais para melhorar do ponto de vista da experiência do usuário".
O Facebook levantou 22 experiências e perguntou a 22.410 usuários se eles já haviam vivido algumas delas. Cada entrevistado foi questioando sobre seis experiências escolhidas aleatoriamente, como por exemplo "você teve pensamentos sérios sobre suicídio ou automutilação nos últimos 30 dias?" ou "você frequentemente se sentiu solitário nos últimos 30 dias?" ou "você frequentemente não gostou da aparência do seu corpo nos últimos 30 dias?". Foram entrevistadas pessoas nos Estados Unidos, Japão, Brasil, Indonésia, Turquia e Índia.
Se a resposta fosse positiva, outras perguntas eram feitas a fim de explorar mais a fundo a questão, sobretudo no que diz respeito à relação do Instagram com o problema enfrentado pelo usuário.
"Porque os indivíduos foram encaminhados aleatoriamente para uma das seis
perguntas da pesquisa e, em seguida, quase aleatoriamente para um 'mergulho profundo' adicional, muitos tamanhos de amostra são muito pequenos. Por exemplo, menos de 150 meninas adolescentes espalhadas por esses seis países responderam a perguntas sobre a relação entre suas experiências de imagem corporal e o Instagram", explica o adendo do Facebook.
Como resultados, o Facebook descobriu que as pessoas esperam algum tipo de suporte do Instagram em assuntos relacionados à saúde mental. Em seguida, um slide mostra um gráfico com o título "É mais provável que o Instagram torne as coisas melhores do que piores". Nele, é possível ver as respostas dos entrevistados a respeito dos problemas questionados e como o Instagram interfere nas questões.
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Por exemplo, 35% dos entrevistados acreditam que o Instagram torna os problemas de comparação social melhores, contra 22,7% que acreditam que a rede social piora a questão e 42,4% que não veem diferença. No caso de questões relacionadas à imagem corporal, as taxas são 24,8%, 18,9% e 56,4%, respectivamente. No gráfico, a taxa de pessoas que acham que o Instagram piora o problema não é maior que a de pessoas que acham que melhora em nenhum dos casos.
O slide seguinte é o mais polêmico dentre o vazamento do The Wall Street Journal, já que se título é "Mas, tornamos os problemas de imagem corporal piores para 1 em cada 3 meninas adolescentes". No gráfico apresentado, é possível ver que 32,4% das meninas adolescentes acreditam que o Instagram torna seus problemas de imagem corporal piores, contra 22,1% que acreditam na melhora. No caso de FOMO (Fear Of Missing Out, termo usado para caracterizar o medo de ficar de fora), 23,9% acham que o Instagram piora a questão; para problemas de comparação social, a taxa é de 20,1%.
Em suas anotações adicionais, o Facebook afirma que os dados "não devem ser
interpretados exageradamente, mas não devem ser ignorados". "As respostas representam como os participantes da pesquisa que já estão experimentando momentos difíceis percebem o impacto do Instagram em suas experiências, e não a população adolescente de usuários do Instagram em geral", escreve a empresa.
Na segunda apresentação, mais longa, chamada de "Mergulho profundo na saúde mental adolescente" e divulgada internamente em outubro de 2019, o Facebook mostra uma pesquisa realizada com 2.503 adolescentes nos Estados Unidos e no Reino Unido, sendo oito deles tendo sido levados a uma entrevista qualitativa via videochamada e 40 deles pessoalmente.
"Os participantes dos estudos qualitativos foram recrutados com base em certos critérios de elegibilidade, o que significa que os resultados não são generalizáveis para todos usuários adolescentes do Instagram. Ao relatar sobre resultados da pesquisa qualitativa, algumas conclusões/afirmações podem ser especulação do pesquisador versus o que era realmente relatado pelos participantes", escreveu o Facebook nas anotações adicionais.
Uma das conclusões deste estudo é a de que um em cada cinco adolescentes diz que o Instagram faz eles se sentirem piores em relação a eles mesmos. No caso de meninas do Reino Unido, a taxa alcança os 25%. Outro slide mostra que adolescentes culpam o Instagram por aumentar aas taxas de ansiedade e depressão entre adolescentes. "As conclusões representadas neste slide são baseadas em discussões com 40 pessoas que relataram ter experiências negativas. O slide não se destina a ser representativo da experiência de todos os adolescentes, mas foi projetado para ajudar as equipes do Instagram a discutirem e desenvolverem novas ideias para ajudar pessoas que estão lutando", esclarece o Facebook.
"Adolescentes com problemas de saúde mental dizem que o Instagram torna tudo pior" é outra conclusão da pesquisa, que o Facebook tenta justificar dizendo que trata-se de uma hipótese que não foi validada.
Em seguida, a apresentação mostra vários pontos trazidos pela pesquisa, dando ideias de como o Instagram poderia ser mais saudável para adolescentes. O documento afirma, por exemplo, que os adolescentes querem ajuda para controlar o tempo de tela, querem ter mais controle sobre o que veem no feed e nos Stories, querem que o Instagram puna usuários com comportamento negativo e querem conteúdos práticos a respeito de como se sentirem melhores. Essas questões não foram completamente solucionadas pela rede social até hoje.
O que o Facebook tem feito
Depois do vazamento do The Wall Street Journal, o Facebook tem tentado minimizar os resultados das pesquisas internas, dizendo que elas foram projetadas para obterem o pior resultado possível e, assim, servirem de base para que melhorias sejam realizadas no Instagram.
Na prática, desde que os dados foram mostrados internamente em 2019, a rede social não passou por grandes mudanças. O Instagram não tem, por exemplo, ferramentas de controle parental, nem comandos específicos para adolescentes, como a diminuição de notificações.
Em julho deste ano, o Instagram passou a tornar as novas contas de menores de 16 anos privadas automaticamente e anunciou que a publicidade não seria direcionada por interesse para menores de 18 anos. Além disso, criou recursos com informações de apoio para quem sofre de problemas de imagem corporal.
Além de não realizar grandes avanços pensando na saúde mental de adolescentes, o Instagram ainda queria atingir uma quantidade maior de jovens, criando uma rede social exclusiva para crianças com menos de 13 anos. Depois de muitas críticas, amplificadas pelos recentes documentos, o Facebook desistiu do projeto nesta segunda-feira (27).