Há dez dias no comando do Twitter, Elon Musk chegou com "o pé na porta" e vem causando bastante polêmica - como é usual para o bilionário. A demissão de metade dos funcionários
do Twitter, a promessa de que qualquer pessoa poderá ter o selo de verificação
e os planos para cobrar uma assinatura para acessar a rede social
são alguns dos tópicos que geraram polêmica, além da fuga de anunciantes depois que Musk prometeu mais liberdade de expressão na plataforma, o que poderia gerar menos moderação de conteúdo e, portanto, mais discurso de ódio e desinformação.
Para Lucas Morelli, advogado de disputas estratégicas e mestre pela Universidade de São Paulo (USP), nada disso é inesperado. Em live do iGdeias desta terça-feira (8), o especialista diz que "é bem a cara do Elon Musk tudo o que aconteceu".
Empresário que arrasta uma legião de fãs, Musk costuma se posicionar como o salvador da liberdade de expressão, e usou o mesmo discurso ao comprar o Twitter e afirmar que "o pássaro estava livre". O bilionário, porém, é controverso.
Sua defesa pela liberdade de expressão preocupa legisladores, especialistas e anunciantes em todo o mundo. Musk defende, por exemplo, que as plataformas digitais deveriam ter menos moderação de conteúdo, o que pode amplificar a disseminação de discurso de ódio e desinformação, o que vai contra a própria liberdade de expressão.
Além disso, para os especialistas ouvidos pelo iGdeias, Musk tem ampliado o autoritarismo no Twitter nesses 10 dias de gestão. "É bastante difícil a gente ter um diagnóstico do que efetivamente vai acontecer. O que a gente tem é um símbolo de ampliação do autoritarismo, que é completamente contraditório a esse discurso de ampliar a liberdade de expressão que ele tem desde sempre", afirma Paloma Rocillo, vice-diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS).
Lucas exemplifica que Musk quer banir pessoas que fazem paródias no Twitter e, ao mesmo tempo, quer que o ex-presidente dos EUA Donald Trump, banido por disseminar ódio, volte à plataforma. "O Elon Musk é o antagonismo em si. Como alguém pode pregar a liberdade sendo absolutista como ele está sendo com a plataforma?", questiona Lucas. "A paródia é uma liberdade de expressão das mais clássicas e das mais antigas. Ele quer tirar isso e voltar o Donald Trump? Esse é o Elon Musk, o absolutista da liberdade", continua.
Twitter pago
Uma das mudanças que vazaram na imprensa internacional é a possibilidade de Musk cobrar para que as pessoas acessem o Twitter. Para os especialistas, isso poderia gerar uma exclusão digital, já que muita gente ficaria de fora do debate público estabelecido no Twitter.
"É uma barreira muito grande. Sim, o Twitter é uma empresa e tem liberdade econômica para decidir o próprio modelo de negócios. Mas, além disso, a gente tem que pensar que o que era uma empresa há 40 anos pode não ser o que é uma empresa hoje. As responsabilidades sociais são outras", opina Paloma. "Hoje em dia, as empresas de tecnologia têm acertadamente escutado mais a sociedade civil, o que não está acontecendo com o Twitter", continua.
Lucas vê até problemas do ponto de vista legal de uma cobrança deste tipo no Brasil. Isso porque o serviço foi oferecido gratuitamente no país por anos, tornando parte da sociedade dependente dele. Nesse contexto, uma cobrança poderia ter consequências do ponto de vista do direito dos consumidores.
Outra medida polêmica que Musk prega é a possibilidade de qualquer pessoa, relevante ou não, ter o selo de verificação em seu perfil. Para Lucas, essa é uma banalização da ferramenta, que atualmente ajuda os usuários a identificarem os atores relevantes de uma conversa, dando mais credibilidade às informações apresentadas.
"Isso vai na contramão de todos os esforços do Twitter de aumentar a confiabilidade da plataforma", afirma Paloma.
Demissões podem impactar Brasil
Além de planejar mudanças estruturais na rede social, Musk já realizou uma grande modificação na estrutura da empresa e, na última sexta-feira (4), demitiu 50% de todos os funcionários do Twitter, inclusive no Brasil.
Além das consequências para os trabalhadores, Paloma aponta que a moderação de conteúdo na plataforma pode ser prejudicada, o que deve impactar, sobretudo, países do sul global. Atualmente, pesquisas científicas já apontam que a moderação de conteúdo é mais frágil fora dos Estados Unidos e da Europa, já que não há funcionários que conhecem idioma e contexto de outros países dedicados a moderarem conteúdo.
"O elo mais fraco na moderação de conteúdo em todas as plataformas é o sul global. Se tem alguma região geográfica que vai sair perdendo [com as demissões] vai ser o sul global, e o Brasil está incluído. Isso é importante porque muitas vezes as empresas não mudam a política de moderação, mas elas precarizam os procedimentos de moderação", alerta Paloma.
Quanto às mudanças no funcionamento da moderação de conteúdo no Twitter, a especialista lembra que a plataforma está sujeita às legislações de todos os países nos quais opera, e que as fortes leis europeias devem ditar a operação da rede social em todo o mundo.
"Ainda que o Brasil ainda esteja discutindo uma legislação própria, a gente ainda tem esse amparo da legislação europeia. Tem que ficar evidente que o Twitter não pode fazer tudo o que eles querem, existe alguma regulação", afirma Paloma.
"O Elon Musk vai ter que se curvar para a legislação que existe", completa Lucas. "E provavelmente ele vai falar: 'eu estou tentando, mas o sistema é o problema'. É capaz disso reverter ainda em benefícios para ele", continua.
A conversa completa do iGdeias desta terça-feira está disponível em podcast e em vídeo. Confira: