Vice-presidente da Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA), Senador Astronauta Marcos Pontes
Foto: Roque de Sá / Agência Senado
Vice-presidente da Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA), Senador Astronauta Marcos Pontes


O Senado Federal está debatendo o projeto de lei que trata da regulamentação da  Inteligência Artificial (IA) no Brasil. Explicando de forma cronológica, uma comissão de juristas elaborou um anteprojeto de lei baseado na legislação europeia levando em consideração aspectos jurídicos dessa regulação. O que não está errado, mas está incompleto.

Primeiro, quando o PL 2338/2023 foi lançado, ainda não existia a IA Generativa e outras implicações. A tecnologia muda constantemente e a gente precisa ter isso em mente na hora de construir essa lei. Foi necessário atualizar o texto prevendo mudanças tecnológicas em um ritmo frenético. Outra questão que precisou ser reformulada foi em quais princípios criaríamos as regras? O 2338 se baseou no modelo europeu que, com o tempo, precisou ser reformulado por não atender à comunidade de forma eficiente. Portanto, alteramos essa parte também.

Além disso, a inteligência artificial é uma tecnologia em constante evolução, demandando uma abordagem multifacetada, não apenas jurídica. É preciso considerar o desenvolvimento, a pesquisa e todas as implicações relacionadas aos diversos setores produtivos do país, a fim de impulsionar a competitividade. A IA trabalha, praticamente, em todos os setores da sociedade de forma transversal. Precisamos reconhecer que esse é um assunto complexo, cujo tratamento legislativo deva tratar também dos impactos no desenvolvimento econômico e social, na competitividade e na proteção dos direitos individuais.

Então, elaborei um substitutivo (emenda 1) mais principiológico com uma parte fixa que garante a proteção do indivíduo colocando o ser humano no centro do projeto. E outra parte mais flexível que trata dos riscos do uso da IA permitindo o desenvolvimento da tecnologia de forma eficaz para cada setor. Tratar os efeitos da IA utilizando gerenciamento de riscos da forma rígida como estava no PL 2338, estaríamos condenando todas as empresas que poderiam desenvolver tal inteligência a um modelo físico sem possibilidade de crescimento. Seria ineficaz e injusto e daria margem às discussões jurídicas.

Como vice-presidente da Comissão sobre Inteligência Artificial, no Senado, fui responsável por essa discussão e tive a oportunidade de conduzir a maioria das audiências públicas realizadas no Senado Federal sobre esse assunto. Esse substitutivo (Emenda 1) foi construído em cima dessas discussões. Simplificamos o texto e o deixamos mais dinâmico. Um dos pontos cruciais desse novo texto foi a criação de tabelas de riscos que avaliam probabilidade e impacto. Essa parte é a mais flexível do projeto, pois precisam de revisões periódicas para reduzir a insegurança jurídica e promover uma avaliação objetiva dos riscos.

Propusemos a criação de um Conselho Coordenador e não uma Agência Reguladora da ferramenta. O Conselho seria composto por representantes de diversos setores, para coordenar a regulação da IA, evitando possíveis conflitos com outras agências reguladoras e promovendo uma abordagem mais fluida e positiva para o Brasil. Não faz sentido ter uma agência especializada em tecnologia. Seria como criar uma agência para cuidar de TVs 4k. É importante ser um conselho coordenador para agir de forma mais flexível a fim de que cada setor tenha autonomia para desenvolver suas ferramentas sem a interferência de um órgão regulatório limitador. O Conselho não agirá com poder sobressalente, mas em coordenação conjunta a fim de que todos os setores tenham a possibilidade de progresso usando os princípios da lei e a revisão das tabelas de risco trazendo informação de qualidade e orientação para os setores.

Em abril de 2024, o relatório preliminar da comissão foi entregue, mas esse relatório ficou em 60% do substitutivo elaborado pela comissão. Infelizmente tirou partes objetivas, trouxe uma subjetividade novamente ao texto, incluindo os setores de alto risco. Ou seja, trouxe a rigidez de volta ao texto. Da forma como está, o relatório já está obsoleto. Por outro lado, trouxe uma parte mais expressiva sobre fomento, extremamente importante nesse setor. Essa competência, de destinar recursos para as áreas tecnológicas e das pesquisas, é do poder executivo.

Quando fui Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, colocamos 8 laboratórios de Inteligência Artificial no Brasil. Um deles é a pura pesquisa sobre a inteligência e segurança cibernética e os outros 7 são sobre a  internet das coisas: cidades inteligentes, saúde 4.0, indústria 4.0, agro 4.0 e a administração pública. Foram criados mais dois laboratórios e, mesmo assim, não é suficiente. Precisamos ampliar, assim como o desenvolvimento das “Startups” com soluções para diversos setores no Brasil e a criação de um ambiente de negócios que permita que elas cresçam e se desenvolvam no país.

Essa lei tem uma responsabilidade econômica e social muito grande para o Brasil. A gente não pode criar uma lei que atrapalhe o país, tem que ser uma lei que promova o desenvolvimento. Não utilizar a IA ou restringir sua utilização seria mais prejudicial do que benéfico para o país. Isso poderia resultar na dependência de tecnologias desenvolvidas por outros países, deixando-nos vulneráveis e limitando nosso conhecimento sobre os detalhes da IA. Como vamos mitigar os riscos para as pessoas se não conhecermos o perigo?

A Comissão Temporária teve o prazo prorrogado para o dia 17 de julho de 2024. Da minha parte, vamos promover uma lei que seja flexível, adequada e que promova o desenvolvimento da inovação, além de promover as empresas e a  competitividade do país e, ao mesmo tempo, proteja os indivíduos. Isso é perfeitamente possível. Espero que o relatório evolua para atender os critérios, garantindo um marco regulatório que contribua efetivamente para o progresso do país diante do cenário inovador.

Audiências Públicas sobre Inteligência Artificial na  Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil.

Acompanhe a tramitação do projeto  aqui.

* Inteligência Artificial generativa é o uso da IA para criar diversos tipos de  conteúdo, como texto, imagens, texto, vídeos e áudios, resumos, perguntas e outras solicitações de resposta a uma linguagem comum.

** Marcos Pontes é mestre em Engenharia de Sistemas e o primeiro astronauta profissional a representar oficialmente um país do hemisfério sul no espaço. Foi ministro das Comunicações (2019-2020) e da Ciência, Tecnologia e Inovações (2020-2022). Atualmente é senador da República por São Paulo, cargo para o qual foi eleito com mais de 10,7 milhões de votos. Entusiasta do avanço das tecnologias de inteligência artificial, defende o desenvolvimento econômico e social do país por meio do conhecimento, da educação, da ciência, da tecnologia, da inovação e do empreendedorismo.

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