Conectar um cérebro com um computador a princípio não é complicado. Você está fazendo isso neste exato momento. O que complica é a conexão direta, que fora experimentos muito específicos, ainda é exclusiva da ficção científica, mas um grupo resolveu apostar em uma abordagem diferente.
Na ficção, existem várias formas de criar uma interface entre cérebros e computadores. Em Robocop, por exemplo, um cérebro inteiro é transferido, criando um ciborgue, um corpo robótico comandado por um cérebro biológico.
Essa, de longe, é a forma mais complicada. Não só temos que criar interfaces para todos os sentidos e sistemas motores, como temos que criar um corpo artificial capaz de manter um cérebro funcionando e alimentado. No final, não há nada que justifique esse tipo de intervenção, faz mais sentido usar um capacete de realidade virtual e comandar um drone remotamente.
Outros métodos envolvem interfaces mais simples, e estamos avançando. Já temos cegos com implantes capazes de identificar quase 100 pixels, em um caso uma paciente cega foi capaz de diferenciar letras, incluindo maiúsculas e minúsculas.
Implantes cocleares para surdos são algo tão corriqueiro que tornam a Mulher Biônica obsoleta, muitas próteses usam sinais neurais enviados para os músculos remanescentes e os traduzem em movimentos das partes mecânicas.
Outra técnica consiste em implantar sensores diretamente no cérebro de pacientes, estudar os sinais e usando Inteligência Artificial e a boa e velha força bruta, extrair sentido deles, o suficiente para mover um cursor e uma tela.
A Neuralink, empresa de Elon Musk que pesquisa esse tipo de implante, conseguiu ensinar macacos a jogar Pong, usando apenas seus implantes cerebrais, mas há uma área mais fascinante ainda, que descarta o cérebro como um todo e trabalha com partes.
Existem toneladas de considerações éticas e filosóficas de usar um cérebro inteiro para auxiliar em trabalhos computacionais, ou patrulhar Delta City. Claro, podemos usar cérebros de formigas ou algo assim, mas se quisermos versatilidade, no mínimo precisamos de um macaquinho, e os comitês de Ética não gostam da idéia.
Então, que tal quebrar o problema computacional em partes mais manejáveis? Digamos que você precisa de um algoritmo de detecção de movimento. Pode pegar a parte do cérebro de uma águia responsável por isso, e inserir no seu sistema.
Como fazer isso, ainda é um mistério, mas estamos aprendendo a criar esse tipo de interface, máquina-cérebro, e o exemplo mais recente foi obra de Brett J. Kagan e vários outros cientistas de sua equipe do Cortical Labs, uma startup que pesquisa interfaces máquina-cérebro.
No papel de título In vitro neurons learn and exhibit sentience when embodied in a simulated game-world (cuidado, PDF), eles descrevem como conseguiram interfacear um mini-cérebro, que chamam de DishBrain, com um conjunto de sensores.
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O tal cérebro é uma cultura de neurônios de duas fontes principais: fetos de ratos, e células-tronco humanas. Cada um é composto de poucas centenas de milhares de neurônios, sendo posicionados em uma solução de nutrientes, em cima de uma base de sensores de silício.
Os cientistas partiram do princípio que esse tipo de cérebro apresenta capacidade de auto-organização, e com o tempo os neurônios cresceram e criaram conexões complexas entre si. Também foi usada a premissa de que neurônios conectados gostam de receber estímulos, então os eletrodos foram usados para introduzir sinais externos ao cérebro miniatura.
A placa de Silício usando tecnologia CMOS tem 26 mil eletrodos de platina, ela consegue gravar sinais de até 1024 eletrodos simultâneos, a uma freqüência de 40KHz, e envia sinais para 32 ao mesmo tempo.
Essa capacidade de ler sinais e enviar feedback ao cérebro é essencial para a parte do projeto onde sinais específicos são apresentados, e a resposta do cérebro tem resultados positivos ou negativos. Mais ou menos assim: se o cérebro no chip reagiu da forma desejada, ele recebe um estímulo, do contrário, nada.
Com essa estrutura básica, os cientistas codificaram um jogo de PONG, no qual o cérebro receberia os inputs da raquete, bem como sinais de posição e velocidade da bola. Com o tempo, o cérebro aprendeu que movimentar a raquete e interceptar a bola gerava feedback positivo.
O tempo de aprendizado foi em média de 15 minutos. Os cérebros feitos de neurônios humanos formaram conexões mais complexas e aprenderam bem mais rápido que os que usavam células de ratos.
Comparando com inteligência artificial em software, computadores (ainda) são mais eficazes e jogam Pong com mais eficiência, mas os cérebros biológicos em chips aprenderam as regras do jogo mais rápido que os algoritmos em software.
É um belo exemplo de caixa-preta, nós não sabemos como os neurônios se interconectam, não sabemos os detalhes mais básicos de como aprendem, mas conseguimos usá-los para algo tecnicamente complexo, ao menos no que dá pra chamar um cérebro de gamer de complexo.
Esse tipo de pesquisa ainda é bem preliminar, mas é inevitável que tarefas mais complexas sejam testadas. Talvez já estejamos quase no ponto de emular uma pesquisa da Segunda Guerra Mundial, quando cientistas tentaram colocar pombos em bombas, e treiná-los para manter a bomba planando na trajetória correta até atingir um navio inimigo.
O Projeto Pombo foi cancelado em 1944, revivido depois da Guerra e a Marinha dos EUA insistiu e investiu até 1953, quando percebeu que era uma coisa idiota.
Já uma bolota de gosma num jarro de solução nutriente, cujo único objetivo na vida seja identificar um navio inimigo e manter a trajetória até atingi-lo, isso faz muito mais sentido, ainda mais se pensarmos que essa bolota será imune a interferências externas, nem precisará de lasers ou GPS.
A mídia está dizendo que os tais cérebros são sencientes, pois reagem a estímulos do meio-ambiente, mas isso é bobagem. Não há como insinuar que há qualquer inteligência real ali, não há complexidade suficiente. A grande questão ética será decidir qual a massa crítica de neurônios para o surgimento da consciência, para que o cérebro perceba a própria existência, mas sendo realistas, ainda estamos décadas antes disso ser um problema.
Quando um cérebro em chip for capaz de um "penso, logo existo", ele já vai estar jogando Crysis, que como todos sabemos está bem longe do Pong.