17% das crianças e adolescentes brasileiros não tem acesso à internet
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17% das crianças e adolescentes brasileiros não tem acesso à internet


Quando a pandemia de Covid-19 tomou conta do Brasil e as aulas presenciais tiveram que ser interrompidas, Lúcia Cristina Cortez se deparou com um enorme desafio no ensino à distância. A diretora da Escola Municipal Professor Waldir Garcia, em Manaus, percebeu que boa parte dos seus alunos não tinham acesso à internet .

“Como é que a gente vai se comunicar com eles?”, se questionou na ocasião. E os alunos de Lúcia não estão sozinhos. Atualmente, 4,8 milhões de crianças e adolescentes brasileiros entre 9 e 17 anos não têm acesso à internet, de acordo com a pesquisa TIC Kids Online 2019. Isso representa cerca de 17% de todos os jovens nessa faixa etária. “A gente luta pela equidade, mas o que está visível são essas desigualdades”, comenta a diretora.

Se a educação brasileira já é palco de desigualdades há muitos anos, a necessidade do ensino remoto evidenciou ainda mais a situação. “É uma desigualdade muito grande. Tudo isso [falta de acesso à internet] já existia, mas estava invisível, e hoje a gente tem essa visibilidade. Todo o brasil foi pego de calças curtas, ninguém estava preparado. Nenhum prefeito, nenhum governador, ninguém tinha se antenado de quanto é importante todos estarem na era digital, conectados", opina Lúcia.

Os desafios da falta de internet

No caso de Manaus, a Secretaria de Educação começou a divulgar aulas através da TV aberta, o que ajuda os alunos que não possuem acesso à internet. Na escola Professor Waldir, porém, as dificuldades continuavam, já quem nem televisores existiam em muitos dos lares dos estudantes.

A desigualdade era presente dentro da própria escola. Dos 227 alunos, 50 são estrangeiros. E, dos estrangeiros, a maior parte viu os pais ficarem desempregados durante a pandemia, tendo até que se mudarem para abrigos. Televisão e celular nesses casos, conta Lúcia, é luxo.

“Isso em Manaus, ali na área urbana. Eu estive conversando com alguns colegas da área rural, ribeirinha, e não tem internet”, lembra Lúcia. A equipe pedagógica da escola, então, se uniu para realizar uma vaquinha online para conseguir doações de celulares , televisores e chips com internet para os alunos. 

Depois de uma campanha de sucesso, a escola conseguiu prover celular e tem pago internet para todos os estudantes. Além disso, uma parceria permite que as famílias mais vulneráveis recebam cestas básicas em meio ao difícil cenário atual. “Não adianta dar internet, celular e TV se o principal é a fome”, garante a diretora.

WhatsApp se torna aliado

Diante desse contexto, o WhatsApp acabou se tornando um forte aliado de todos os professores da escola Professor Waldir. Por funcionar bem em qualquer smartphone simples e ser coberto pela maior parte dos pacotes de dados, o aplicativo de mensagens é uma solução mais acessível a todos os alunos.

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Os professores têm gravado áudios e vídeos e enviado aos alunos. Contente, Lúcia comemora que muitas crianças estão sendo inclusive alfabetizadas à distância, já que o corpo docente se dedica a realizar ligações individuais com os alunos. “Na aula de literatura, as professoras têm gravado podcast com as histórias infantis”, exemplifica.

A escola, reconhecida nacionalmente pelo bom diálogo com a comunidade, tenta ainda continuar com o contato com as famílias, que são peça fundamental para o aprendizado das crianças, sobretudo neste momento. Para isso, os pais foram ensinados a usarem a plataforma de videoconferência Google Meet , e a escola criou e-mails para que cada um deles pudesse participar.

Para o ensino, porém, o WhatsApp ainda é o principal canal. E isso, mais uma vez, não é exclusividade da escola Professor Waldir. Um  robô criado para funcionar no mensageiro tem feito sucesso no país todo, ajudando cerca de 125 mil alunos de todos os DDDs a estudarem através do celular - 94% deles são de escolas públicas. 

“A gente criou justamente por ser um canal acessível e com a hipótese de que a maioria dos alunos não teriam acesso a plataformas mais tradicionais de ensino à distância”, conta Débora Nunes, analista de produtos e soluções da Fundação 1Bi, uma das criadoras do AprendiZap .

Depois de cinco meses em funcionamento, a ferramenta de reforço escolar descobriu que 45% dos alunos que a utilizam estudam, atualmente, apenas pelo WhatsApp. “Esse dado é bom porque a gente está chegando no impacto que a gente quer, mas mostra esse problema que a gente tem no Brasil, que os alunos não estão conseguindo acessar outras plataformas”, traduz Débora.

Criado com o objetivo de ser um reforço, o AprendiZap acabou se tornando a principal plataforma de muitos estudantes e, por isso, algumas mudanças estão a caminho. Os criadores do robô investem, agora, no desenvolvimento de um canal voltado a professores, para que eles consigam direcionar melhor os conteúdos e ajudar seus alunos com mais clareza - tudo através do WhatsApp

O legado da pandemia

Se a falta de acesso à internet evidenciou ainda mais as desigualdades presentes no sistema educacional brasileiro, pelo menos todo esse período serviu de aprendizado. Lúcia conta que, na sua escola, o corpo docente tinha muito resistência ao uso de tecnologias em sala de aula no cenário pré-pandemia. 

A escola conta com tablets e computadores para todos os alunos, mas só as ferramentas mais básicas eram utilizadas. “A gente vive hoje a escola do século 19, o professor do século 20 e as crianças do século 21, então a tecnologia faz parte da era deles”, comenta a diretora.

Quando as aulas presenciais regressarem, Lúcia acredita que a tecnologia vai continuar a ter um papel fundamental na vida dos alunos e professores. “Com certeza isso a pandemia nos ensinou: o quanto é rica a ferramenta da tecnologia, como ela pode ser nossa aliada na educação. As crianças aprendem, se envolvem e gostam. Foi bom dar essa sacudida para a gente acordar”, confessa.

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