A entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
, conhecida como LGPD
, no mês passado, trouxe diversas mudanças a respeito da coleta e tratamento de informações das pessoas pelas empresas. A nova lei traz, também, algumas particularidades para públicos específicos, como é o caso de crianças e adolescentes
.
De acordo com a LGPD
, as empresas que coletam e tratam dados deverão ter um olhar diferenciado para crianças. Na maioria dos casos, esse público acaba expondo seus dados na internet
e, além da orientação que os pais devem dar, a nova lei chega para auxiliar nesse sentido.
O que a LGPD traz de novo
A advogada especialista em Direito Digital e consultora da ICTS, Nathalia Guerra de Sousa, conta que a LGPD traz uma seção específica sobre o tratamento de dados de crianças e adolescentes.
A nova lei impõe alguns requisitos gerais para qualquer público. As empresas que coletam dados (e isso inclui não apenas as relacionadas à internet, como redes sociais e aplicativos , mas também qualquer companhia que tenha informações dos clientes, como o cadastro da farmácia ou da escola) devem registrar as atividades de tratamento dos dados e ajustar as políticas e contratos para incluir privacidade , entre outras medidas.
No caso das crianças, além de cumprir o termos gerais da LGPD , as empresas precisam ir além. “Especificamente quanto ao tratamento de dados de crianças, além de todos os requisitos mencionados, aplicados a todos os tratamentos de dados pessoais, há a necessidade de observar o disposto no artigo 14 da Lei, o qual traz que o ‘tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse’”, afirma Nathalia.
Cada vez que uma empresa for coletar o dado de uma criança , ela precisa obter o consentimento de pelo menos um dos responsáveis. “Da mesma forma que para os demais atos da vida civil, as crianças são consideradas absolutamente incapazes para tomar decisões quanto ao fornecimento ou não de seus dados pessoais . Assim, a responsabilidade pelos seus dados é, originalmente, de seus pais ou representantes legais, em consequência do poder familiar definido no Código Civil”, explica a advogada.
Nathalia fala, porém, que isso fica um pouco incerto, já que a LGPD exige que “o controlador deve realizar todos os esforços razoáveis para verificar que o consentimento foi dado pelo responsável pela criança ”, mas não exemplifica como isso pode ser feito.
Na prática, isso significa que, toda vez que uma criança for acessar um novo aplicativo , jogo ou rede social para o qual forneça dados pessoais, por exemplo, o serviço deverá explicitamente pedir para que um responsável autorize. Além disso, a LGPD também exige que as explicações a respeito do uso dos dados fique ainda mais clara no caso de crianças e adolescentes.
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“É preciso que fique claro tanto para o responsável, que irá fornecer o consentimento, como para a criança, como e para qual finalidade aquele dado será usado, o que demandará uma análise aprofundada das características físico-motoras, sensoriais e intelectuais da faixa etária dos titulares que terão seus dados processados”, diz Nathalia.
Além disso, as empresas que controlam os dados não podem condicionar a entrada em jogos e aplicativos de internet ao fornecimento de dados que vão além dos necessários para o funcionamento da aplicação. Nesse caso, é importante que os pais fiquem de olho para perceberem possíveis abusos por parte das empresas.
Indo além da LGPD
A advogada considera que a nova lei acertou em trazer especificações a respeito dos dados de crianças e adolescentes, mas a sociedade, o Estado e os pais ainda precisam continuar agindo na proteção dos pequenos.
Com o avanço do uso de dispositivos eletrônicos por crianças e adolescentes, cresce também os perigos que envolvem a exposição de dados na internet. Nesse sentido, cabe a orientação dos pais e também esforços de políticas públicas e da sociedade civil.
Dentre os perigos, a advogada cita aqueles relacionados à exposição de dados, que pode levar ao marketing agressivo, e também os relacionados ao abuso sexual de menores.
“É preciso destacar que quando falamos em dados pessoais, além dos tradicionais de relação imediata como o nome, CPF e data de nascimento, também consideramos, por exemplo, fotos e vídeos, os quais, uma vez inseridos na internet, podem, em poucos minutos, ser compartilhados e visualizados por milhares de pessoas e utilizados de forma indevida”, afirma.
Diante dos perigos, a advogada acredita que, para além da LGPD , é preciso que a sociedade evolua para uma cultura de proteção de dados , sobretudo para crianças e adolescentes. Para ela, isso deve envolver mais do que as empresas que controlam nossos dados, mas também Estado, pais, escolas e toda a sociedade.
“Para uma proteção ampla dos dados de menores, a atenção precisa ser multisetorial e não depender unicamente da ação das empresas, de forma que precisa ser complementada fortemente pelo Estado, através da implementação de políticas públicas e campanhas de conscientização, do envolvimento das instituições de ensino, através da inclusão na matriz curricular de informações e reflexões sobre o uso, domínio e riscos das ferramentas disponíveis na internet e das famílias, com exemplos, definição de limites e monitoramento da atividade da criança em dispositivos eletrônicos, de forma a garantir que a cultura de privacidade e proteção de dados esteja presente em todos os ambientes em que houver crianças e adolescentes”, finalisa.