O Facebook iniciou nesta quinta-feira (3) uma campanha publicitária em todo o Brasil criticando o projeto de lei 2630/2020, conhecido como PL das fake news. O PL atinge diretamente grandes plataformas de mídias sociais e, agora, propagandas do Facebook estampam páginas inteiras dos principais jornais brasileiros, além das mídias digitais.
Sob o slogan "O PL das fake news deveria combater fake news; e não a lanchonete do seu bairro", a propaganda do Facebook utiliza de um aspecto do projeto de lei para descredibilizá-lo como um todo. A campanha leva as pessoas para uma carta aberta contra o PL das fake news assinada na última semana por Facebook, Instagram, Google, Mercado Livre e Twitter .
Em entrevista ao portal iG, João Victor Archegas, mestre em Direito por Harvard e pesquisador no Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, afirma que algumas das críticas levantadas pelas gigantes de tecnologia são válidas, mas que é importante tomar cuidado na hora de "atacar o PL como um todo". "Tentar deslegitimar o PL como um todo me parece um argumento vazio. A gente tem que olhar artigo por artigo e entender o que pode ter impacto negativo e o que pode ter impacto positivo", argumenta.
Pequenos negócios na mira?
Em sua propaganda, o Facebook acusa o PL de combater pequenos negócios, já que, de acordo com a empresa, o texto "traz consequências negativas às pequenas empresas que usam publicidade online para vender mais e gerar empregos".
Um dos artigos do PL das fake news modifica as regras a respeito do uso de dados pessoais para direcionar publicidade o que, explica João, poderia realmente prejudicar pequenos negócios. "De fato, tem muita desinformação que circula nas redes sociais por meio de publicidade, mas também tem campanhas legítimas de publicidade. E aí vai gerar um certo impacto econômico que talvez não esteja no cálculo do legislador. Nesse sentido, as empresas estão antecipando esse debate", afirma.
Para o especialista, as críticas das gigantes de tecnologia são bem-vindas para "pensar em uma forma de aprimorar o texto do projeto", mas não para descredibilizá-lo. "O PL tem um objetivo muito claro: grandes plataformas digitais, como Facebook e Twitter. Mas pode haver alguns impactos colaterais".
Esta não é a primeira vez que o Facebook utiliza o argumento de que pequenos negócios estariam sendo prejudicados para tentar se desviar de outras questões. No ano passado, por exemplo, esse argumento foi usado para se posicionar de forma contrária a uma nova ferramenta de privacidade da Apple que acabaria prejudicando anúncios direcionados. O Facebook, que perdeu bilhões de dólares com a mudança, chegou a afirmar que era contra ela porque isto prejudicaria pequenos negócios.
"O Facebook vê nisso o grande valor da sua plataforma, e eles usam esse discurso até para tentar se desvincular daqueles outros impactos negativos que levaram à formulação do PL em um primeiro momento: desinformação e impactos negativos para a democracia. Eles usam disso como uma maneira de tentar mobilizar a opinião pública contra um PL como um todo. Isso não me parece legítimo, porque o PL das fake news, embora seja muito mais amplo do que só desinformação e fake news, tem aspectos positivos", opina João.
Para o especialista, um dos pontos positivos é promover transparência nos processos de moderação de conteúdo das plataformas, movimento que vem acontecendo também em outros países. "É um caminho legítimo exigir mais transparência. A gente precisa saber como essas empresas criam e aplicam as próprias regras e quais são as falhas sistêmicas que existem nesses processos", argumenta.
Facebook combate a desinformação?
Nos anúncios veiculados em jornais nesta quinta-feira, o Facebook alega que "combate a desinformação e já investiu mais de 13 bilhões de dólares em segurança". Na carta da semana passada, as gigantes de tecnologia afirmam que investem "continuamente em recursos e ações concretas e transparentes para combater a desinformação".
Na prática, porém, ainda é necessário percorrer um longo caminho para combater a desinformação. "Falta muita coisa", afirma João. "A gente vê o Facebook tentando se justificar mencionando os números que já investiu em combate à desinformação, mas para que a gente entenda o real impacto disso, a gente precisa de muito mais. A gente ainda não vê os impactos das fake news diminuindo proporcionalmente ao que eles dizem ser a prioridade deles", continua.
Para ele, ainda falta "jogo de cintura entre empresas e o Estado para pensar conjuntamente em soluções para esse complexo problema da desinformação". Essa regulação conjunta entre plataformas e governo é justamente o que o PL das fake news tenta propor. "O Estado não quer substituir as plataformas nessa atividade de moderação de conteúdo para evitar desinformação, mas ele quer, de certa maneira, guiar essas plataformas para a direção que ele acredita seja a correta. Para que isso aconteça, não necessários alguns preceitos básicos como transparência", explica.
Na prática, a pressão das gigantes de tecnologia contra o texto atual do PL das fake news pode gerar impactos, acredita João. Para ele, é possível que as empresas pressionem ainda mais o Congresso, assim como aconteceu na Austrália no ano passado. Na ocasião, o Facebook gerou um "apagão" de notícias na rede social no país por discordar de um projeto de lei que obriga plataformas de tecnologia a pagarem veículos de imprensa pela divulgação de seus conteúdos - ponto que está presente no PL das fake news e foi criticado na carta assinada pelas companhias.
Na Austrália, a pressão fez com que o país tivesse que negociar com a empresa. "Aqui no Brasil, a gente já vê essas empresas se manifestando nesse sentido. Essa pressão das empresas pode causar um impacto significativo na execução da lei, porque o Facebook pode decidir fazer o que fez na Austrália", afirma João. O PL das fake news ainda precisa ser votado na Câmara dos Deputados.