Um dos maiores desafios que os processos democráticos têm enfrentado atualmente é a disseminação de desinformação nas plataformas digitais. "As redes sociais influenciam bastante o voto e se tornaram verdadeiros espaços de discussão política. Não dá para a gente falar de um cenário eleitoral saudável e seguro sem pensar na influência desses atores", afirma Bruna Santos, pesquisadora visitante no Centro de Ciências Sociais de Berlim (WZB) e membro da Coalizão Direitos na Rede. Pensando nas eleições deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fechou e renovou acordos com plataformas digitais para tentar mitigar os danos causados pela desinformação no processo eleitoral.
Recentemente, todas as grandes plataformas de mídias sociais atuantes no Brasil fecharam acordos com o TSE. Em fevereiro, Twitter, TikTok, Facebook, WhatsApp, Google, Instagram, YouTube e Kwai assinaram acordos com o "Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação no âmbito da Justiça Eleitoral", promovido pelo tribunal. Na ocasião, o Telegram, que vinha ignorando os frequentes contatos da corte, ficou de fora.
Depois de ser banido do Brasil , medida que foi rapidamente revogada , o Telegram assinou a adesão ao programa no final de março. Por enquanto, a rede social não divulgou quais ações tomará em parceria com o Tribunal.
Como as redes sociais estão se preparando para as eleições?
Enquanto isso, as outras redes sociais, que se dispuseram sem conflitos a fecharem acordos com o TSE, revelam longas listas de ações que estão tomando para enfrentar a disseminação de desinformação eleitoral. Para especialistas no tema, porém, o esforço ainda é insuficiente.
A reportagem entrou em contato com Kwai, TikTok, Meta, responsável por Facebook, Instagram e WhatsApp, Google, reponsável por YouTube, e Twitter para entender quais atitudes as plataformas estão tomando para diminuir a disseminação de desinformação.
No geral, algumas soluções básicas são tomadas por praticamente todas elas, como rotular publicações com conteúdo eleitoral, levando os usuários a uma página com dados confiáveis sobre o tema, proibir publicações falsas e banir usuários que violem com frequência as regras propostas por cada plataforma. Neste documento , você lê a íntegra de todas as ações tomadas pelas redes sociais.
Bruna afirma que é possível enxergar alguns avanços nas ações das plataformas digitais no que diz respeito ao combate à desinformação, mas que os efeitos dessas ações ainda são nebulosos.
A pesquisadora exemplifica que os rótulos em conteúdos foram um dos aspectos que melhoraram ao longo dos últimos anos. "Mas a gente ainda sabe muito pouco sobre qual é, de fato, o efeito dessas soluções no cenário de desinformação atual. Ao mesmo tempo que esses atores têm declarado essa boa vontade em lidar com alguns temas, especialmente em controlar ou até remover conteúdo desinformativo das suas plataformas, a gente sabe que ainda tem um outro lado da moeda que é a falta de explicação a respeito da remoção de conteúdos. Muitas dessas plataformas não seguem 100% o que têm anunciado", analisa Bruna.
Os acordos das redes sociais com o TSE
Além dessa falta de transparência, Bruna avalia que, na maioria dos casos, o que as plataformas digitais fazem nesses acordos com o TSE é apenas "disponibilizar uma lista de medidas que já são aplicadas". De fato, grande parte das soluções apresentadas pelas redes sociais já estavam em curso ou já existiam em outros países.
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Apesar disso, a pesquisadora enxerga a importância desses acordos. "A gente vai evoluindo para chamar as plataformas digitais para assumir essa responsabilidade sobre o processo eleitoral, ao mesmo tempo que o TSE também parte para essa conversa mais próxima com todos esses atores sobre tipos de conteúdos que são problemáticos ou danosos no período eleitoral", afirma. "Essa cooperação é fundamental para que o TSE consiga aplicar a lei eleitoral e entender melhor como funciona o ambiente digital".
Nina Santos, pós-doutoranda no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital e pesquisadora associada do Centre d’Analyse et de Recherche Interdisciplinaires sur les Médias, da Université Paris II, concorda que o simbolismo desses acordos entre redes sociais e TSE é muito importante.
"Todas as plataformas são estrangeiras, então ao firmar uma parceria com o TSE elas mostram, de alguma forma, uma vontade de contribuir e um respeito às regras nacionais", afirma Nina. A pesquisadora complementa que isso é muito importante sobretudo porque conteúdos em língua inglesa geralmente são mais bem moderados do que aqueles em outros idiomas.
Ela alerta, porém, que "o fato das plataformas assinarem esses acordos não necessariamente significa que estamos tendo avanços nas políticas implementadas por elas". "A gente precisa também ficar atento para que isso não seja apenas uma ação de marketing das próprias plataformas. Por um lado, eu acho muito salutar; por outro lado, é um convite para que a gente fique ainda mais de olho no que elas estão fazendo", afirma. A reportagem tentou diversas vezes conversar com representantes do TSE sobre o tema, mas não obteve retorno positivo.
O que falta ser feito para combater a desinformação?
Para as pesquisadoras, ainda há muito o que avançar para que as redes sociais estejam, de fato, preparadas para lidar com a disseminação de desinformação. Bruna afirma que falta transparência a respeito dos motivos pelos quais conteúdos são removidos. Segundo ela, ainda não é possível saber qual é o limite para que uma publicação seja retirada ou um usuário seja banido, por exemplo.
No ano passado, uma série de documentos vazados do Facebook, que ficou conhecida como Facebook Papers
, revelou que a rede social sabia que deveria se esforçar mais para combater a desinformação, mas optou por não fazê-lo
. "A moderação de conteúdo ainda é feita de maneira muito obscura. A gente tem, repetidas vezes e no mundo inteiro, uma atuação desses atores que evitam tomar posições muito claras ou específicas com relação a conteúdo político, e isso é uma preocupação", afirma Bruna.
Para Nina, outro desafio a ser superado é o fato de que cada plataforma tem regras específicas, o que torna mais difícil para que uma só diretriz seja aplicada a todas as redes sociais. "Toda hora está surgindo uma rede nova e a gente vê uma migração. Os grupos de extrema-direita, por exemplo, eram muito fortes no Facebook, o Facebook aumentou a moderação de conteúdo e eles migraram para o YouTube; aí o YouTube virou a rede da extrema-direita, e agora está com regras mais fortes, então eles estão apostando em outras redes de vídeo e em distribuição via Telegram. Então, mesmo com uma política da plataforma de banir ou de ter decisões mais duras em relação conteúdo nocivo, acaba se achando brechas para fazer com que as publicações circulem em outras plataformas", exemplifica a pesquisadora.
Para ela, deixar as decisões apenas nas mãos de cada rede social faz com que o combate à desinformação fique "sempre correndo atrás do tempo perdido". Nina acredita que as decisões a respeito da moderação de conteúdo em plataformas digitais deveriam ser mais democráticas e coletivizadas. "A gente está deixando na mão das plataformas definirem o que elas consideram como conteúdos nocivos. Tudo está nas mãos de pessoas que não necessariamente têm legitimidade social para tomar esse tipo de decisão", afirma.
Nina avalia que este ano eleitoral será "intenso" e trará "desafios diferentes dos enfrentados em 2018". "Por um lado, a gente tem muito mais atenção para essa questão da desinformação, o que é muito bom. Por outro, a gente não tem tantos avanços assim e temos cada vez mais redes", analisa.