Planos de Elon Musk para o Twitter podem prejudicar moderação de conteúdo
Reprodução/Instagram - 26.04.2022
Planos de Elon Musk para o Twitter podem prejudicar moderação de conteúdo

Liberdade de expressão. Esse é um dos termos mais utilizados pelo bilionário Elon Musk para justificar os motivos pelos quais ele optou por comprar o Twitter . Há anos, o empresário vem sendo um grande crítico da rede social, sempre questionando seus mais de 85 milhões de seguidores a respeito das decisões da plataforma e ameaçando constantemente deixá-la. Musk já chegou, inclusive, a dizer que poderia criar sua própria rede social, favorável ao discurso livre.

As motivações do bilionário em adquirir o Twitter causam preocupações em especialistas em desinformação nas redes sociais. Na verdade, o que Musk chama de liberdade de expressão pode se tornar, na prática, um terreno fértil para a disseminação de desinformação e discurso de ódio.

João Victor Archegas, mestre em Direito por Harvard e pesquisador no Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, analisa que o principal objetivo de Musk é reduzir a moderação de conteúdo no Twitter. Atualmente, alguns comportamentos são proibidos na rede social, como campanhas de desinformação, ações inautênticas coordenadas e discurso de ódio. Eles são combatidos por meio da moderação, que pode levar à exclusão de tuítes específicos ou até ao banimento de usuários, como aconteceu com Donald Trump.

"Esses comportamentos podem voltar a circular livremente na rede social caso alguns desses protocolos de moderação de conteúdo sejam, de fato, enfraquecidos", avalia Archegas.

Moderação de conteúdo não fere liberdade de expressão

Quando o Conselho de Administração do Twitter aprovou a proposta de Musk para comprar a rede social, nesta segunda-feira (25),  políticos de todo o mundo se agitaram diante de uma possível maior liberdade de expressão. Nos Estados Unidos, apoiadores do ex-presidente Donald Trump pediram seu retorno para a plataforma.

No Brasil, bolsonaristas comemoraram a compra, já que recentemente o Twitter suspendeu as contas de políticos e influenciadores ligados à extrema-direita brasileira, como o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), o blogueiro Allan dos Santos e o caminhoneiro Zé Trovão. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) e Carla Zambelli (PL-SP), e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foram alguns dos políticos que comemoraram o acordo. O próprio presidente Jair Bolsonaro também compartilhou publicações sobre o tema, em tom de comemoração.

Na prática, esse tipo de manifestação se dá por conta de uma visão distorcida a respeito da liberdade de expressão. Archegas reforça que a moderação de comportamentos nocivos na internet não fere o direito, mas sim garante um ambiente digital mais democrático.

"Liberdade de expressão não é um conceito absoluto. As pessoas acham que liberdade de expressão é liberdade para você falar tudo que você quiser, e isso não é verdade. A liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, tem certos limites intrínsecos que estão inscritos inclusive na própria Constituição. Ela é um direito fundamental assim como a privacidade e a integridade física, por exemplo. A partir do momento que o exercício da liberdade de expressão coloca em risco o exercício desses outros direitos, ela não se trata mais de uma de uma liberdade protegida pelo próprio ordenamento jurídico", explica o pesquisador.

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Além disso, Archegas fala no conceito de "liberdade de viralização" que, na verdade, não existe. "O que muitas vezes os atores políticos querem é ter a possibilidade de alcançar milhões de pessoas com suas publicações. Eles querem que a plataforma distribua esse conteúdo para todas essas pessoas de
uma forma fluida. E isso não existe. A gente tem a liberdade de se expressar, não é liberdade de atingir milhões de pessoas", afirma. "Não podemos cair nessa armadilha de que moderação de conteúdo é uma violação da liberdade de expressão", continua.

Compra do Twitter por Elon Musk causa preocupações

Além de poder amplificar discursos falsos ou de ódio, a atuação de Musk no Twitter também traz outras preocupações. Uma delas gira em torno da promessa que o bilionário fez de abrir o algoritmo da rede social.

A medida é justificada por uma maior transparência mas, na prática, pode trazer mais danos do que aspectos positivos para a dinâmica do Twitter. "A partir do momento que você abre o código-fonte, algumas pessoas que têm o conhecimento técnico para fazer uma análise mais aprofundada podem aprender a contornar o sistema, usando-o a seu favor. Por exemplo, se eu quero que um conteúdo meu que contém desinformação seja distribuído para mais pessoas, se eu tiver essa possibilidade de compreender como o algoritmo do Twitter funciona, eu posso fazer com que esse meu conteúdo tenha um impacto muito maior", analisa Archegas.

O pesquisador afirma que as redes sociais precisam, sim, de mais transparência, assim como menciona Musk, mas de outra forma. As plataformas digitais deveriam dar mais explicações a respeito do funcionamento dos seus algoritmos de forma didática, e não simplesmente abrir o código-fonte de forma que apenas pessoas com conhecimentos técnicos compreendam e, além disso, com informações excessivas que podem ajudar a driblar sistemas de moderação de conteúdo. "Hoje, a gente não tem quase nenhuma transparência, e o Elon Musk quer jogar o pêndulo pro outro extremo, criando uma transparência total que talvez não funcione", avalia Archegas.

Outra grande preocupação que o acordo gera é a possibilidade do homem mais rico do mundo controlar as decisões de uma das maiores redes sociais existentes. Nesse sentido, é esperado que órgãos reguladores de vários países aumentem seus esforços para regular as redes sociais de modo geral.

Nesta terça-feira (26), Thierry Breton, comissário da União Europeia (UE) para o mercado interno e um dos reguladores digitais mais influentes da Europa,  alertou que o Twitter deverá continuar seguindo regras para moderar conteúdo ilegal e prejudicial.

Para Archegas, o discurso de Musk dá um passo para trás em relação às discussões que vem sendo estabelecidas por especialistas e órgãos reguladores em todo o mundo acerca da moderação de conteúdo digital.

"Elon Musk colocou o Twitter em uma rota de colisão com reguladores na Europa, nos Estados Unidos, no Brasil e em diversos países. A gente já está
debatendo regulação para redes sociais, e a compra do Twitter por Elon Musk vem com essa promessa de voltar a um status quo anterior. Quando ele fala que ele quer trazer o Twitter para esse cenário anterior, para esse capítulo que já foi fechado, ele acaba acirrando essa relação entre o Twitter e reguladores. Certamente, a gente pode esperar, como um resultado prático dessa compra, reguladores ao redor do mundo pesando um pouco mais a mão em relação à regulação de plataformas digitais para tentar mandar um recado ao Elon Musk", afirma.

** Dimítria Coutinho atua cobrindo tecnologia há cinco anos, se dedicando também a assuntos econômicos. Antes de trabalhar no iG, era repórter do Ada, um portal de tecnologia voltado para o público feminino. É jornalista formada pela Universidade de São Paulo com passagem pelo Instituto Politécnico de Lisboa.

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