O WhatsApp começou nesta quinta-feira (26) a liberação das comunidades
no Brasil. Durante as próximas semanas, todos os usuários passarão a ter acesso à novidade de forma gradual. Para especialistas, a novidade tem o potencial de aumentar a disseminação de desinformação no aplicativo.
As comunidades já haviam sido lançadas globalmente em novembro, mas o Brasil ficou de fora após a Meta, dona do WhatsApp, atender a um pedido do Ministério Público Federal (MPF) e deixar o recurso indisponível no país até o final de 2022.
Como as comunidades ampliam a capacidade de mensagens serem disseminadas no aplicativo, a recomendação do MPF veio no sentido de reduzir a proliferação de desinformação e discurso violento durante o período eleitoral e os meses subsequentes.
Apesar de ter cumprido sua promessa, o WhatsApp fez o lançamento da novidade em um período ainda inoportuno, avalia Bruna Santos, ativista da Coalizão Direitos na Rede e pesquisadora visitante no Centro de Ciências Sociais de Berlim.
"Especialmente depois do que aconteceu no 8 de janeiro em Brasília , eu acho que é um momento um pouco delicado para implementar uma funcionalidade como essa. O lançamento ignora o potencial de comportamentos abusivos no WhatsApp, como o envio de mensagens desinformativas e golpistas", defende a pesquisadora. "Ao invés de fazer parte de um coro pelo fortalecimento da nossa democracia, o WhatsApp acaba tendo potencial de contribuir para o enfraquecimento do nosso sistema democrático", completa.
Para João Victor Archegas, mestre em Direito por Harvard e pesquisador no Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, o fato de o WhatsApp ter respeitado a espera solicitada pelo MPF é um bom sinal, mas isso não significa que o momento atual seja o ideal para o lançamento. "Olhando para trás, o momento é muito melhor agora do que poderia ter sido no ano passado. Mas é claro que ainda estamos vivendo um momento politicamente muito turbulento, e pode haver um certo impacto no debate público em razão dessa mudança de arquitetura do aplicativo. O temor pelo aumento da desinformação continua", analisa.
O que são as comunidades?
As comunidades do WhatsApp são conglomerados de grupos que permitem que usuários se organizem em diversas vertentes de um mesmo assunto. É possível, por exemplo, que um condomínio tenha uma comunidade com vário grupos: um da torre A, um da torre B, um dos donos de pets, um dos empreendedores do condomínio, e assim por diante.
Cada comunidade pode ter até 50 grupos. Além do lançamento do recurso, o WhatsApp também está liberando no Brasil grupos maiores, com até 1024 membros - o limite anterior era de 256 pessoas.
Além de até 50 grupos, cada comunidade também também um grupo de avisos, que pode ter até cinco mil membros. Apenas administradores da comunidade podem enviar mensagens no grupo de avisos.
O perigo das comunidades
O maior potencial nocivo do novo recurso do WhatsApp está relacionado à sua capacidade de distribuir uma mensagem a milhares de pessoas ao mesmo tempo. Além de ser usado para fins positivos, como comunicados para membros de escolas, clubes e condomínios, as comunidades também podem se transformar em redes de disseminação de desinformação.
Rapidamente, uma mensagem pode chegar a cinco mil membros em um grupo de avisos, e pode ser encaminhada para cada um dos 50 grupos de uma comunidade, que podem ter, cada, até 1024 membros. Isso significa que, em poucos minutos, um conteúdo pode atingir mais de 50 mil pessoas. Para Bruna, o recurso "torna a difusão de conteúdo desinformativo e anti-democrático bastante rápida e preocupante".
Nos últimos anos, o WhatsApp vem tomando algumas medidas para reduzir a disseminação de desinformação na plataforma. A principal delas é reduzir o número de vezes que uma mensagem pode ser encaminhada de uma vez.
"O WhatsApp só pode apostar nessas medidas que geram mais atrito dentro da arquitetura da plataforma, justamente porque não existe uma moderação de conteúdo propriamente dita, já que o WhatsApp não tem acesso ao conteúdo das mensagens trocadas pelos usuários. Então, ele tem que fazer uma espécie moderação de comportamento", explica João Victor.
Ao lançar as comunidades, o WhatsApp está reduzindo número de compartilhamentos de mensagens já encaminhadas de cinco para um. Embora a medida seja importante, os pesquisadores avaliam que o lançamento das comunidades em si é um passo para trás nos esforços de combate à desinformação que o próprio mensageiro vinha desenvolvendo.
"Essa função das comunidades vai na direção oposta", afirma João. "O que mais me preocupa, enquanto pesquisador desse ecossistema de desinformação, é justamente essa possibilidade de você atingir cinco mil pessoas de uma só vez. A arquitetura do aplicativo não permitia isso antes", completa.
Comunidades do WhatsApp x canais do Telegram
Com a possibilidade de atingir milhares de usuários de uma só vez, as comunidades do WhatsApp se assemelham aos canais do Telegram.
"Esse modelo de comunicação que já era oferecido por outras plataformas acabou incentivando o WhatsApp a oferecer o mesmo serviço. Conseguir acessar muitas pessoas de uma vez só e por conteúdo separado por grupos de interesse temático realmente vai ser uma semelhança com o Telegram", afirma Ana Bárbara Gomes Pereira, coordenadora de políticas públicas do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS).
O mensageiro da Meta, porém, reforça que tomou um cuidado que não está presente no concorrente: "diferentemente das mídias sociais e outros serviços de mensagens, no WhatsApp não será possível procurar ou descobrir novas Comunidades", afirma a empresa.
Isso significa que não será possível encontrar comunidades para fazer parte a não ser que um usuário seja diretamente convidado. Para Ana Bárbara, a medida "pode ser interessante, mas não é nem de longe suficiente" para evitar que pessoas encontrem comunidades problemáticas, como redes de desinformação. "Ainda é possível divulgar um link para ingresso na comunidade, e é muito fácil que esse link viralize e acabe atingindo muitas pessoas", avalia.
Bruna levanta ainda outra questão: a de que a medida reduz a transparência do WhatsApp. "Se todo o mundo tivesse conhecimento das comunidades, será possível fazer um mapeamento desses espaços de maneira mais completa para entender o tamanho do problema. Na decisão do WhatsApp [de deixar as comunidades privadas] tem uma questão que compromete a transparência, o que pode comprometer o estudo, tanto da Academia quanto do próprio governo, para entender o espaço que essas comunidades ocupam no debate público", avalia Bruna.