Na última semana, Elon Musk disse que pode deixar o cargo de CEO do Twitter até o final deste ano. O bilionário, que comprou a rede social em outubro passado, disse que ainda não encontrou alguém para administrar a empresa, e que precisa que a companhia alcance uma "posição estável" para que ele passe o bastão a outra pessoa.
Desde que assumiu o Twitter, Musk vem tomando atitudes muito criticadas por ativistas e especialistas em governança da internet. Em poucos meses, o bilionário demitiu mais da metade dos funcionários da empresa, passou a vender o selo de verificação , devolveu perfis banidos por desinformação e discurso violento, baniu jornalistas e fez crescer publicações racistas e de ódio na plataforma.
Para atingir a tal "posição estável", Musk teria que abrir mão do seu discurso anti-moderação de conteúdo e pró-liberdade de expressão a qualquer custo.
Twitter: o que a rede social foi
Antes de Musk comprar o Twitter, a rede social tinha diretrizes interessantes de moderação de conteúdo e caminhava em direção a mais transparência e proteção aos usuários.
"Com uma ausência de regulação maior sobre como deve funcionar a moderação das plataformas, o que vale são os termos de uso de cada uma delas. Quando a gente olha para as plataformas, em todas há alguma vulnerabilidade, seja a falta de precisão sobre o que que acontece no contexto X ou Y, ou uma falta de transparência sobre o que é considerado uma conduta permitida e o que não é tolerado", explica Ana Bárbara Gomes Pereira, coordenadora de políticas públicas do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS). "Nesse contexto, o Twitter era uma das plataformas que tinha uma uma diretriz mais amadurecida, porque tinha menção à possibilidade de contestação e tinha critérios de gravidade da infração, por exemplo. O Twitter trazia um pouco mais de transparência aos usuários do que as demais plataformas", completa.
Bruna Santos, ativista da Coalizão Direitos na Rede e pesquisadora visitante no Centro de Ciências Sociais de Berlim (WZB), lembra que o Twitter foi uma das primeiras plataformas a banir o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump após ele incitar a invasão ao Capitólio, no início de 2021, dando uma resposta mais rápida ao caso.
"Não sei se dá para traçar qual é melhor e qual é pior [ao comparar várias redes sociais], mas acho que, antes do Elon Musk, o Twitter estava, de fato, caminhando numa direção bem interessante, com um pouco mais de transparência", avalia a pesquisadora.
Twitter: o que a rede social se tornou sob Elon Musk
Assim que Musk assumiu o Twitter, os avanços que vinham sendo traçados pela rede social foram brecados, e a plataforma deu alguns passos para trás no que diz respeito às suas diretrizes e respectivas aplicações.
Bruna e Ana Bárbara concordam que as duas piores ações de Musk foram as demissões em massa e a liberação do selo azul de verificação para qualquer pessoa que queira e possa pagar por ele.
Cerca de uma semana depois de assumir a empresa, o bilionário cortou 50% dos funcionários do Twitter, extinguindo completamente equipes de políticas públicas e moderação de conteúdo. Os serviços, então, ficaram mais falhos, permitindo uma maior circulação de desinformação, discurso de ódio e pornografia, por exemplo.
"Um dos princípios para a gente ter uma moderação de conteúdo um pouco menos abusiva é a instância de revisão por pessoa humana. Quando ele [Musk] chega na empresa e sai demitindo funcionários, isso é bastante preocupante", analisa Bruna. Não por acaso, pesquisas apontam que cresceram de forma expressiva no Twitter publicações racistas e de ódio.
Outra grande mudança apontada pelas pesquisadoras como bastante problemática é a possibilidade de qualquer pessoa comprar a verificação de uma conta. O selo azul passou a fazer parte do Twitter Blue, plano pago da rede social que custa até R$ 60 por mês no Brasil.
Antes, o Twitter dava o selo azul para contas de pessoas, empresas e órgãos relevantes, como jornalistas, pesquisadores, celebridades e políticos. "O que antes funcionava como uma sinalização de confiabilidade e legitimidade, ou pelo menos de que aquela pessoa tinha um reconhecimento público, hoje em dia pode funcionar apenas como uma sinalização de poder econômico", comenta Ana Bárbara.
Bruna reforça que o selo azul ajudava os usuários a checarem a fonte e a veracidade de uma informação, garantindo que uma pessoa relevante fez determinada declaração. Se uma notícia circulava pelo perfil de um jornalista verificado, por exemplo, o usuário tinha confiança naquela informação. Agora, com a possibilidade do selo azul ser comprado, qualquer pessoa pode divulgar qualquer informação e dar a ela a "cara de verdade" ao ter o perfil verificado.
Twitter: o que a rede social pode vir a ser
Mesmo se Musk deixar o cargo de CEO do Twitter, é difícil determinar se a rede social pode voltar a ser o que era. Ana Bárbara avalia que quando Musk fala em atingir uma "posição estável" para deixar a liderança da empresa, ele se refere muito mais a aspectos financeiros do que sociais.
Parte da crise financeira pela qual o Twitter passa, porém, é reflexo dos problemas que enfrenta em relação às suas diretrizes, com perda de anunciantes. "Se ele [Musk] está buscando estabilidade da plataforma, ele precisa inclusive de uma estabilidade jurídica e social, de que a plataforma seja um lugar onde as pessoas querem estar e podem estar em segurança. Isso significa promover um ambiente digital saudável e com informações confiáveis, além da segurança jurídica de operar, para que o Twitter não esteja no centro de grandes questões judiciais sobre moderação de conteúdo e grandes impasses entre regulação e moderação da própria pra plataforma", analisa Ana Bárbara.
Para Bruna, a saída de Musk do cargo de CEO pode mudar bastante a plataforma, já que ele sairia da posição de tomador de decisões. Sua saída, porém, não é garantia de que a rede social volte a ser o que era. "O problema é ter o Elon Musk enquanto alguém que toma decisões. Mas tudo vai depender da maneira com a qual ele vai lidar, de qual será a dinâmica dele com o Board [Conselho de Administração] e com o produto", afirma. "Seria bastante importante que o Twitter retomasse algumas das coisas que ele fazia antes, até para garantir que os usuários tenham um nível de segurança e confiança no produto", completa.