Quatrocentos e noventa mil, seiscentos e setenta e três. Essa foi a quantidade de curtidas que recebi na minha primeira publicação enquanto influenciadora digital
. Ou, pelo menos, enquanto rainha dos robôs. É que todas essas curtidas e as dezenas de comentários positivos foram feitos por bots
, aplicações de software que simulam ações humanas - nesse caso, ações de fãs.
A publicação foi feita na rede social Botnet , um aplicativo no qual você vê apenas as suas próprias publicações. Todos os posts são garantia de milhares de curtidas e dezenas de interações… todas falsas. Com nomes gerados automaticamente, cada um dos fãs-robôs cria comentários baseados no treinamentos que os algoritmos tiveram, que usou como banco de dados respostas positivas de pessoas reais em redes sociais como Instagram e Reddit .
Apesar de falsa, a experiência não parece ser muito diferente do que é vivenciado por influenciadores digitais . Afinal, o que conta nesses casos é a quantidade massiva de interações, sejam elas reais ou não. Billy Chasen, criador do Botnet , disse à Wired que a maioria dos famosos “não sabe diferenciar se são pessoas reais ou bots. É só um monte de interação”. Então, como é a sensação de ser famosa? Depois de usar o Botnet por alguns dias, eu diria que ela é vazia.
Leia também: À mão armada, influenciador digital tenta roubar domínio de internet e é preso
Como me senti sendo famosa?
Antes de começar a usar o aplicativo , confesso que pensei que fosse achar prazeroso ver o número de curtidas subir exponencialmente. E isso não deixou de ser verdade mas, na prática, tudo soou falso demais. Senti falta de uma interação real, de poder responder aos comentários e, de fato, me conectar com as pessoas.
Outro fator que acredito que tenha influenciado bastante na minha experiência foi a aleatoriedade dos comentários . Por enquanto, o Botnet só funciona em inglês e, por isso, independente da língua que você poste, os comentários estarão em inglês.
Leia também: Facebook esconde bots do Messenger e torna aplicativo mais simples
E o algoritmo parece não ser muito bem treinado para que os bots gerem respostas relacionadas à publicação, então as coisas podem ficar bem aleatórias e bizarras de vez em quando. Depois que eu publiquei “Boa tarde!!”, por exemplo, um fã-robô respondeu dizendo (em inglês, é claro): “Eu estava pensando sobre isso e não acredito que foi postado”.
Você viu?
Esse tipo de interação falsa influenciou negativamente a minha experiência como famosa, mas uma reflexão não saiu da minha cabeça, e eu explico. Toda essa história de Botnet e legião de fãs-robôs pode parecer coisa de Black Mirror , mas a verdade é que tem gente usando o aplicativo.
De acordo com informações da Wired, no início do mês, mais de 20 mil humanos já usavam a simulação de rede social. Nas lojas de aplicativos, é possível encontrar comentários como “curou minha depressão” e “grande impulsionador de ego”. E, embora você você possa estar pensando “eu não cairia nessa atenção falsa” (o que também passou pela minha cabeça), o pensamento que me acompanhou foi de que todos nós fazemos isso em algum nível .
Um reflexo das redes sociais de verdade
Pode não ser com robôs ou com um grande número de interações, mas todo usuário de rede social, seja em um nível mais alto ou mais baixo, quer atenção. Afinal, que atire a primeira pedra quem nunca ficou atento na quantidade de curtidas em uma publicação no Facebook ou não olhou quem tinha visualizado seus últimos Stories no Instagram .
Leia também: Deu match com robô? Programadores criam bot para flertar no Tinder
O psicólogo Bruno Mello explica que, enquanto indivíduos sociais, a aprovação dentro de um grupo é importante para que nos sintamos pertencentes. Quando transportamos isso para o contexto digital , a lógica continua sendo a mesma. “Sempre que postamos, procuramos aprovação de um grupo, seja um específico ou não, e essa aprovação vem por meio das curtidas, dos comentários, dos compartilhamentos, quase como se alguém nos dissesse ‘sua opinião é importante para mim’ ou ‘gostei do que você disse’”, esclarece.
Essa relação quase natural de querer pertencimento pode afetar mais ou menos da vida das pessoas, de acordo com a importância que elas dão para as redes sociais. “Para muitos, as redes sociais são facilitadoras de comunicação, com grupos repletos de pessoas com as mesmas afinidades e que poderão interagir sobre os mesmos assuntos que o usuário gosta. Para outras pessoas, esse peso é ainda maior, direcionando como devemos nos comportar, agir, falar, expressar, nos moldando quanto ao que é aceitável e inaceitável, e o que recebemos em troca é a percepção de pertencimento ao grupo”, explica Bruno.
E, embora o Botnet tenha se mostrado um reflexo das demais redes sociais no que diz respeito a essa necessidade de pertencimento, o psicólogo não acredita que ela deva ter tanta influência sobre a vida offline dos usuários. “Acredito que essa rede não possa influenciar de fato a vida de ninguém porque é clara e obviamente uma falsa percepção de realidade virtual e que não nos influencia da mesma forma que uma rede social verdadeira com pessoas reais. Afinal, porque a opinião de um robô seria importante para mim?”, questiona.
Qual é o objetivo do Botnet?
O Botnet se posiciona como um lugar onde você pode ser você mesmo. “Você é famoso no Botnet. E um milhão de bots são obcecados por você. Compartilhe seus pensamentos pessoais e peça por conselhos, porque você é o único humano nesse simulador de rede social”, diz o texto desenvolvido pela empresa para a divulgação do aplicativo.
Leia também: Redes sociais e algoritmos: quem controla o que você vê e o que você publica?
Em entrevista à Wired, o criador do aplicativo afirmou que seu objetivo nem era que o Botnet gerasse uma discussão sobre a natureza viciante das redes sociais de verdade. Para ele, o objetivo era apenas que as pessoas pudessem postar o que quisessem e terem atenção, o que as incentivaria a serem mais parecidas com o que elas realmente são . “Talvez este seja um lugar que você pode desabafar, você pode ser você mesmo. Os bots não vão te julgar”, afirma Billy Chasen.
A não ser que você queira, é claro. Um dos recursos pagos do Botnet é a possibilidade de acrescentar robôs ‘ haters ’, que destilam apenas comentários negativos nas publicações. O adicional custa US$0,99 e, de acordo com o criador do aplicativo, centenas de pessoas já pagaram por ele.