Nos últimos dois dias, o número de novos seguidores do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores cresceu bastante no Twitter. Só na terça-feira (26), Bolsonaro ganhou 65.268 novos seguidores, número cerca de dez vezes maior do que sua média diária, de acordo com dados da plataforma de monitoramento Social Blade. Nesta quarta-feira (27), já são mais de 53 mil novos espectadores, número que segue crescendo.
Especialistas apontam, porém, que o comportamento não parece ser orgânico, o que significa que as novas contas que estão seguindo o presidente podem ser bots, ou seja, contas automatizadas geridas por sistemas de computador.
O pesquisador estadunidense Christopher Bouzy, criador do Bot Sentinel, plataforma que rastreia contas inautênticas e trolls tóxicos no Twitter, descobriu que 61.299 das 65.268 contas que seguiram Bolsonaro na terça-feira foram criadas entre segunda e terça. Isso representa quase 94% dos perfis.
Só na terça, o número de seguidores que Bolsonaro ganhou no Twitter é 10 vezes maior que sua média diária. Mas ele não está sozinho: no mesmo período, o crescimento no perfil da deputada federal Carla Zambelli foi 10 vezes maior, enquanto o do perfil do deputado federal Eduardo Bolsonaro foi quase 18 vezes mais. Confira as mudanças no perfil do presidente:
Ao portal iG, Bouzy disse que monitora a conta do presidente desde 2020 e que nunca viu um crescimento tão grande. "Nada chega perto disso", afirmou. Ele diz, ainda, que o episódio coincide com a notícia de que Elon Musk comprou o Twitter
, mas que ele não acha que isso seja motivo suficiente para que o crescimento apresentado seja natural.
"Estou sendo questionado se acredito que as novas contas que estão seguindo Jair Bolsonaro são orgânicas, e a resposta curta é 'não'. Não acho que dezenas de milhares de brasileiros decidiram criar novas contas ao mesmo tempo e seguir Bolsonaro porque Elon Musk está comprando o Twitter", escreveu em seu perfil no Twitter.
Efeito Elon Musk?
Apoiadores do presidente têm afirmado, nos últimos dias, que ganharam mais seguidores por conta da notícia de que Elon Musk adquiriu o Twitter. O deputado federal Eduardo Bolsonaro e o ex-Secretário Especial de Cultura Mario Frias foram alguns dos que sugeriram que o algoritmo da rede social teria mudado com a compra pelo bilionário, parando de supostamente frear o alcance de suas publicações, o que teria gerado o aumento no número de seguidores.
Na prática, o acordo entre Elon Musk e Twitter ainda não foi finalizado , o que deve acontecer até o final deste ano. A gestão da rede social, portanto, ainda não foi modificada, apesar das promessas de Musk de reduzir a moderação de conteúdo .
Nos Estados Unidos, um fenômeno parecido foi observado. Por lá, contas ligadas à esquerda política notaram uma diminuição no número de seguidores, enquanto perfis de direita viram os números subirem desde que Musk anunciou que compraria o Twitter. Bouzy afirma que, em suas análises, os fenômenos estadunidense e brasileiro são comparáveis.
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Em nota ao portal iG, o Twitter disse que a flutuação no número de seguidores é natural, com pessoas criando novas contas e outras deixando a rede social por conta de opiniões em relação aos posicionamentos de Musk. "Temos analisado as recentes variações na contagem de seguidores de perfis no Twitter globalmente. Ao que tudo indica, essas oscilações parecem ter sido, em grande parte, resultado de um aumento na criação de novas contas e desativação de outras, organicamente", afirma a rede social.
Bots inflam crescimento de perfis
Bouzy é um dos que acredita que esse não seja o caso, mas sim que muitas contas automatizadas estão sendo criadas. Pedro Barciela, especialista em monitoramento e análise de redes, é outro. Ele disse, no Twitter, que a movimentação em perfis de políticos bolsonaristas é "estranha": enquanto os seguidores sobem, o engajamento cai. "Reflexos da aquisição do Twitter? Duvido muito. Mas algo se moveu e definitivamente não foi orgânico", escreveu.
Para João Guilherme Bastos dos Santos, analista de dados na Rooted in Trust/Internews e pesquisador no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), uma das hipóteses que pode explicar o aumento no número de seguidores de Bolsonaro é o discurso de Musk, que sugeriu que haja uma diminuição na moderação de conteúdo no Twitter, o que pode ter impulsionado a presença dos bots. O pesquisador afirma que, apesar de Musk ter mencionado que baniria os perfis automatizados de spam, a medida é difícil de ser implementada, prevalecendo a possibilidade de uma abertura maior.
"A partir do momento que alguém sinaliza que vai ter um comportamento mais permissivo, como Elon Musk fez, você não está falando só com os usuários ou com os políticos, você está falando também com as empresas que oferecem esse serviço de bots. É um sinal para todo mundo que vai querer vender bot durante a eleição. No ano eleitoral, o mercado de bots já está a toda a velocidade, então essa sinalização pode ser um gatilho para um aumento de investimento nessa área. Isso é uma possibilidade", analisa.
O especialista afirma que os bots são relevantes em campanhas políticas por conseguirem fazer um assunto viralizar. Mencionando muito um mesmo tema, eles podem fazer com que o algoritmo da rede social entenda que aquele assunto é mais relevante e, ao mesmo tempo, encorajar pessoas que têm pensamentos semelhantes a se expressarem.
"Seja pelo funcionamento algoritmo, seja pelo funcionamento social, esse momento inicial de muito burburinho em torno de um tema pode ser muito benéfico para uma campanha que quer viralizar suas pautas", explica.
O que o Twitter tem feito?
Além do aumento registrado na terça, Bolsonaro e seus apoiadores continuam ganhando novos seguidores nesta quarta. Até a publicação desta reportagem, o presidente já tinha ganhado mais de 53 mil seguidores, número que só cresce. Zambelli recebeu mais de 50 mil novos seguidores, enquanto Eduardo Bolsonaro registrou mais de 9 mil. Todos os valores estão bastante acima da média diária.
Santos afirma que a ação do Twitter para combater a presença de bots é insuficiente, mas que esse tipo de moderação é muito complicada, já que o comportamento de pessoas pode ser confundido com o de bots, gerando exclusões injustas.
Em nota, o Twitter disse que seguirá analisando as alterações nos números de seguidores e continuará "tomando medidas contra contas que violem nossa política de spam".