A Medida Provisória (MP) que limita a atuação das redes sociais,
editada pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada, encontra paralelo em uma norma apresentada pelo governo de extrema direita da Polônia e em um texto sancionado pelo governador da Flórida, nos Estados Unidos, do Partido Republicano.
Os dois projetos vieram à tona depois de as principais plataformas terem banido as contas de Donald Trump, então presidente dos EUA, após a incitação à invasão do Capitólio. Por outro lado, a iniciativa brasileira vai na direção contrária do que tem sido feito em países com políticas de regulação elogiadas por especialistas, caso da Alemanha.
Na Polônia, presidida por Andrzej Duda, a proposta foi apresentada em janeiro pelo Ministério da Justiça e estabelece que as redes sociais não poderão excluir postagens ou bloquear contas de usuários, se o conteúdo compartilhado não violar a lei, impedindo as plataformas de aplicarem suas próprias políticas de moderação, o que inclui a remoção de desinformação. O texto prevê a criação de um "conselho para a liberdade de expressão", que, na prática, funcionará para revisar recursos contra decisões das plataformas de restringir o acesso a conteúdos.
Em fevereiro, a organização Repórteres Sem Fronteiras afirmou que a proposta representa um risco de retrocesso na liberdade de expressão e destacou que o conselho "é claramente projetado para ser usado para fins políticos".
Outro projeto com objetivos semelhantes ao de Bolsonaro veio do governador da Flórida, Ronald Dion DeSantis. Em maio, ele sancionou uma lei estadual que tornaria ilegal banir políticos em plataformas digitais e previa multa diária de US$ 250 mil para redes que removessem publicações de políticos. O objetivo, segundo o governador, seria impedir a "censura" de conservadores, discurso semelhante ao adotado pelo presidente brasileiro. Apontada por juristas como inconstitucional, a lei foi derrubada pela Justiça antes de entrar em vigor.
O caso mais recente de mudança na regulação das redes ocorreu na Índia e acendeu o alerta para o risco de servir de caminho para ações autoritárias. Normas publicadas em fevereiro concentraram nas mãos do governo o poder de ordenar a retirada das redes de conteúdos que fossem considerados ilegais — em um dos exemplos, houve uma ordem para que Facebook, Instagram e Twitter derrubassem inúmeros posts críticos à política de combate à pandemia no país.
Na outra ponta, a Alemanha, referência no tema, tem uma lei em vigor desde 2017 que obriga as plataformas com mais de dois milhões de usuários a remover conteúdos "claramente ilegais" em até 24 horas. As redes precisam reportar às autoridades policiais a lista do que foi excluído. Nas situações em que a ilegalidade não for óbvia, o provedor tem até sete dias para decidir.
"Captura das redes"
Vice-presidente da comissão de privacidade e proteção de dados da OAB-RJ, Samara Castro avalia que a MP deixa o Brasil na contramão das melhores práticas. O texto tem vigência imediata, mas precisa ser aprovado no Congresso em até 120 dias para não perder a validade. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já havia sinalizado a aliados a intenção de devolvê-lo, mas adiou a análise do caso para esta semana.
"O grande debate é o oposto: como garantir a remoção de conteúdo nocivo sem ferir a liberdade de expressão e como fazer com que haja remoção eficiente e rápida para que tenhamos um impacto menor desses conteúdos. Essa forma (a da MP) torna a internet uma terra sem lei", avalia.
Pesquisador do InternetLab, o advogado Arthur Pericles Lima Monteiro destaca que a MP concentra um excesso de poder nas mãos do governo. "O governo fica com poder de tirar do ar uma plataforma e se coloca na posição de poder decidir uma medida drástica sem recorrer ao Judiciário. A pretexto de proteger a liberdade, a MP permite que o governo capture as redes e ganhe influência no ambiente digital".