O banimento de Donald Trump
de diversas redes sociais
gerou debates em todo o mundo. O próprio CEO do Twitter
, Jack Dorsey, disse que chegar a esse ponto representa que a plataforma falhou
. Já o chefe do Instagram
, Adam Mosseri, afirmou que um banimento dessa dimensão é má notícia para todos
.
O então presidente dos Estados Unidos foi expulso das redes sociais por ter ferido os termos de uso das mesmas. Em meio a um clima de tensão no país, sobretudo após o ataque ao Capitólio , as empresas de tecnologia entenderam que o discurso de Trump poderia fomentar ainda mais atos violentos, o que fazia com que suas publicações - e, portanto, sua presença online - se tornasse perigosa.
Para Jack Dorsey, banir Trump significa que o Twitter falhou na tentativa de manter discursos saudáveis na rede social . "Eu não celebro nem sinto orgulho de termos banido Donald Trump do Twitter, ou de como chegamos até aqui. Embora existam exceções claras e óbvias, acho que uma proibição é uma falha nossa em promover uma conversa saudável. E um momento para refletirmos sobre nossas operações e o ambiente ao nosso redor", escreveu.
Em sua fala, Dorsey assumiu a culpa por ter precisado chegar a um extremo. Estudos já apontam que as redes sociais e seus algoritmos acabam impulsionando discursos perigosos , como o de ódio e a desinformação, ao invés de contê-los. Agora, o CEO afirma que "o Twitter está financiando uma pequena equipe independente de até cinco arquitetos, engenheiros e designers de código aberto para desenvolver um padrão aberto e descentralizado para redes sociais. O objetivo é que o Twitter seja, em última análise, um cliente desse padrão".
Mais políticos podem ser banidos?
Além de mudanças como a proposta pelo CEO do Twitter , é possível também que o banimento de Donald Trump impulsione outros banimentos mundo afora. Paulo Vidigal, advogado membro da Comissão de Direito Digital da OAB/SP, falou que é possível que a própria sociedade comece a cobrar as redes sociais nesse sentido.
"Quando você fala de uma figura pública como o presidente da república, obviamente o que ele faz chama mais a atenção. Quando uma plataforma toma uma ação com relação às publicações que o Trump fez, por óbvio ela vai sofrer esse tipo de questionamento no seguinte sentido: por que você fez nesse caso e talvez não tenha feito em outro?", explica.
Isso, na verdade, já vem acontecendo, e ativistas digitais cobram atitudes parecidas das redes sociais em outros países. Paulo explica que, com a legislação atual no Brasil, as plataformas não têm a obrigação de fazer um filtro prévio ao que é publicado, mas quando provocadas através de denúncias nas próprias redes, precisam agir. "Talvez comecem a provocar as plataformas para tomar medidas equivalentes em casos semelhantes. Acho que esse movimento talvez comece a ocorrer de fato", opina.
Aqui no Brasil, as redes sociais já agiram contra algumas publicações do presidente Jair Bolsonaro . Recentemente, ele teve um tuíte sobre Covid-19 sinalizado por ter "informações enganosas". Além dele, o próprio Ministério da Saúde também foi rotulado no Twitter .
Esse tipo de ação, marcando publicações específicas, já vem acontecendo há um tempo por aqui. O banimento de Trump , porém, pode impulsionar ações mais duras por parte das redes sociais , sobretudo se elas forem cobradas pela sociedade civil.
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"Interesses não faltarão nesse sentido [para banir políticos brasileiros]. Acho que com uma notícia dessa [do banimento de Trump], é natural que as pessoas queiram entender o porquê e talvez busquem replicar esse tipo de situação nos mais variados países. Porque, de fato, você tem algumas circunstâncias parecidas em termos de democracia, a gente vive mais ou menos em um mesmo cenário que os Estados Unidos. Eu acho que, sim, isso significa que esses movimentos podem se replicar", opina Paulo.
Paulo alerta, ainda, que quando participamos de uma rede social , precisamos estar cientes dos seus termos de uso . Se violamos alguma das regras, estamos sujeitos, sim, a algum tipo de bloqueio - e isso vale para políticos e para a sociedade de modo geral.
"Para quem participa de uma rede social, não só os políticos, mas qualquer usuário, fica esse aprendizado de que realmente somos responsáveis pelo que falamos, estamos regulados naqueles termos e podemos sofrer essas consequências que estão ali previstas. Então, acho que essas responsabilidades competem a todos nós, e quando você exerce um cargo público, você ainda tem todo um papel exemplar diante de uma nação".
Quem manda na internet são as big techs?
Além das redes sociais, muita gente se questiona se os próprios governos poderiam tomar alguma atitude em relação à crescente onda de desinformação e discurso de ódio online. Em entrevista ao portal The Verge, Adam Mosseri, chefe do Instagram , disse que gostaria que os governos regulassem mais as redes sociais.
"Mark [Zuckerberg, CEO do Facebook] e eu gostaríamos de transferir mais decisões de nós para governos reais. Decisões como o que pode ou não estar em nossa plataforma. Portanto, escolha um assunto: incitar a violência, incitação ao ódio, etc. Seria ótimo se muitas dessas coisas fossem cobertas por padrões amplos que foram acordados e definidos por, não todos os governos e todos os países ao redor do mundo, mas pelo menos alguns para organizações. Isso faria mais sentido de várias maneiras", disse ele.
Em meio a uma discussão entre liberdade de expressão versus censura, Paulo acredita que o modelo que temos atualmente é o ideal. "Honestamente falando, acho que não existe solução perfeita, mas eu gosto do modelo atual que a gente tem de legislação, porque eu entendo que ele prestigia o valor mais caro que a gente tem enquanto sociedade, que é a liberdade de expressão. Então a gente não sofre, a princípio, uma censura prévia do nosso conteúdo", opina.
"Discurso de ódio deve ser repudiado mesmo, isso eu não tenho dúvidas, mas a gente pode ter questões muito limítrofes, e aí fica um pouco difícil. Acho que seria ótimo se a gente conseguisse, mas eu duvido que a gente consiga. Acho que o modelo atual seja o melhor que a gente até então encontrou", continua.
Além do papel das próprias redes sociais e da legislação, que pode levar à punição de más práticas online caso elas venham a acontecer, Paulo lembra também o papel de cada um dos usuários online. Para ele, mesmo com o grande poder das big techs
, como são chamadas as gigantes de tecnologia, os internautas ainda podem decidir o rumo do que acontece online, decidindo o que faz, ou não, sucesso.
"Sob pena de talvez ser um pouco utópico, eu acho que, no fundo, quem manda na internet ainda são os usuários. Talvez a gente não tenha consciência disso, mas nós, como usuários, temos, sim, o poder de não só transformar essas plataformas como eventualmente provocar a falência da plataforma porque a gente não está mais satisfeito com aquilo que ela oferece. Temos todos um papel a cumprir aqui no sentido de, primeiro, nos educar, nos comportar de maneira adequada nesses ambientes, e segundo, nos inteirarmos desses debates, nos manifestarmos acerca das posições".